
OCA TERRAVILA GLOCAL - Ocupação Cocriativa ArtFloresta
Sitio Bom Jesus - Rua Quilombo LT 56 - PA Quilombo - Lago do Manso - Chapada dos Guimarães-MT Brasil
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Categorias
Associação, Centro Cultural, DAOActividades
Acomodação, Agrofloresta, Aromáticas, Compostagem, Frutas, Grãos, Medicinais, Mudas, Orgânico, PANCs, Permacultura, Pesquisa, Preservação, Reciclagem, Sementes Crioulas, VoluntariadoFone: +5569999556403
Email: [email protected]
Instagram: @ocaterravilaglocal
Facebook: brazdyvinnuh
Twitter: @Brazdv
Sobre
OCA - Terravila Glocal
"Alegria, fruto da Liberdade c/ Confiança!"
OCUPAÇÃO COCRIATIVA ARTFLORESTA
>>Manter um Polo Produtivo utilizando o conceito Agroecológico e da permacultura. Horta c/ alimentos convencionais; cultivo de ervas aromáticas, medicinais, fitoterápicas e PANCs-(Plantas Alimentícias não Convencionais); meliponicultura; manejo extrativista; canteiro de mudas de espécies nativas e/ou ornamentais para reflorestamento local; Artfloresta (Arte como ferramenta pedagógica); turismo rural; resgate cultural; artesanato e artes em geral.
>>Criar um ambiente de convivência e experimentação laboral que dialogue com liberdade a respeito de planejamento consciente e inteligente de geração de riquezas para a sustentação do Polo, com vistas para a regeneração do homem, a fim de dar visibilidade à regeneração do ambiente integral; onde o bem comum (terra, água, ar, fauna e flora) esteja além da geração de conteúdos que estimule a troca de saberes.
>>TEATRO CIRCULAR REGENERATIVISTA URUCUMACUÃ - será uma edificação para marcar a presença da OCA OCUPAÇÃO COCRIATIVA ARTFLORESTA neste ambiente como inspiração ao Grande Público (Local e visitante).
>>Longe do estereótipo de ações com viés de “cuidados ambientais”, o projeto recebe colaboradores para alavancar esse processo imediato, onde é oferecida hospedagem e alimentação para participação no projeto pelo período acordado entre o interessado e o projeto. O candidato oferece 4(quaro) horas de mão-de-obra diárias por semana, com dois dias de folga.
O tempo restante os colaboradores são incentivados a produzirem para conquista de seus retornos fiduciários.
>>Esse sistema de “Terravila” Glocal é um conceito que vem dando certo, por oferecer aos experimentadores a liberdade de produzir o seu próprio sustento. Sem ter um mandatário centralizador. Os modelos comuns existentes, deixam um hiato que não pode ser preenchido. A proposta apresentada é de acesso e não de posse. Os colaboradores podem ser transitórios , temporários e "permanentes" pois é fato a transitoriedade da vida.
Com o processo em andamento para os trabalhos, vem ficando mais clara a proposta de uma “rede de ocupação produtiva e não de um grupo.
>>A proposta “Terravila” Glocal existe em três dimensões, LOCAL, com os colaboradores que a partir do pertencimento, se tornam moradores, por sua vez, locais; VIVENCIAIS são os colaboradores que fazem uma imersão local, por um período de tempo; GLOCAIS são os colaboradores que conhecem a proposta e participam de qualquer lugar do mundo, inclusive localmente.
>>Nesta “Terravila” Glocal OCA os trabalhos de infraestrutura estão sendo inicializados. Os colaboradores dessa primeira fase terão a oportunidade de conhecer de perto o mecanismo de se criar
recursos para gerir uma ocupação que vai além da moradia e da propriedade para o plantio, onde se busca a regeneração do ser humano para que ele compreenda e se torne regenerador de sua própria natureza. Em uma rede que vem se espalhando pelo mundo, agregando pessoas que se identificam, principalmente deixando clara a importância da Alegria, Liberdade e da Confiança. Juntos somos mais fortes sem perdermos nossa pessoalidade.
§ - O Projeto OCA terravila Glocal - Ocupação Cocriativa Artfloresta está sendo reconfigurado quanto ao formato das atividades locais, para deixar fluir com mais vigor tudo que vier para fortalecer nossa Ocupação.
NOVA FASE.
<<O que faria a equipe do Projeto OCA TERRAVILA GLOCAL, estar na plataforma?>>
època de chuva - Forestando
<<<A PRÓXIMA ETAPA É VIABILIZAR RECURSOS PARA FAZER CAPTAÇÃO DE ÁGUA POR GRAVIDADE PARA IRRIGAÇÃO DE BERÇÁRIO DE PLANTAS>>>
<<<A OUTRA AÇÃO PARA MELHORIAS É A IMPANTAÇÃO DO BERÇÁRIO DE PLANTAS +++ PARA ATENDER AO VIVEIRO DE MUDAS>>>
Confirmada a proposta de multiplicação do VETIVER para substituição do capim Brachiara, em toda pastagem do sitio
Marcada a iniciação da poda do VETIVER - na próxima 4a feira dia 29 de janeiro de 2025
O Projeto OCA Terravila Glocal, firma parceria com a Associação do PA Quilombo, no Lago do Manso para desenvolvimento de novas propostas.
Tendência a se tornar o carro chefe das ações da OCA para suprir o campo.
***210 mudas de vetiver replantadas e o Campo de Vetiver Regenerativo começa a crescer. Será dada continuidade ao projeto do Campo em junho, quando as matrizes completam um(1) ano.
Hoje 245 mudas de vetiver. O Campo terá inicialmente 10 linhas com 100 mudas. Trabalho prazeroso.
Em breve nova demanda será apresentada para o deleite de todos que defendem a regeneração.
O planejamento para breve é de 500 mudas de Vetiver, até o final do ano. No máximo inicio do ano que vem.
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA LIVRO 2 CAPÍTULO 56
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O FEITIÇO DAS TRANSFORMAÇÕES Minutos depois que o Imperador, a Imperatriz e o Mago Natu entraram no grande salão de diversões do Palácio Fortaleza, onde a Rainha Alimpa e o Grande Rei jogavam animada partida de gamão, sobre um luxuoso estojo tabuleiro, ornamentado de madrepérola e jade, ouviu-se um estrondoso burburinho vindo do pátio externo. Rainha Alimpa se desconcentrou e o Grande Rei, num lance magistral, retirou todas as peças do tabuleiro. Inconformada com suas constantes e fragorosas derrotas para o Grande Rei, seu melhor e mais poderoso adversário, levantou-se, inconformada, voltou as costas ao tabuleiro e disse, desconcertada: — Revoltante! Esse jogo sempre conspira contra quem estava com mais sorte! O Grande Rei sorriu de seu amadorismo, emendando: — Não é o jogo que conspira contra quem estava com sorte. É a sorte que conspira contra quem estava jogando! Colocando uma a uma as peças de volta ao estojo, dobrou o tabuleiro, fechou-o e devolveu ao Rei Médium. O tumulto instantaneamente formado pela aglomeração dos convidados fez com que o Grande Rei, a Rainha Alimpa, o Imperador, a Imperatriz e o Mago Natu saíssem para saber o que ocorria. Não se admiraram, porque imaginavam que o burburinho e a desordem aparente fossem remanescentes das comemorações pela vitória dos príncipes da corrida Numpésó. Todavia, em meio à algazarra, alguns reis, rainhas e filhos estavam aos prantos. O arauto real, abrindo caminho em meio a aglomeração, adiantou-se, chegando aflito e ofegante ao Imperador: — Senhor Imperador, uma desgraça inusitada aconteceu. Peço-vos que convoque Rei Kórnio e Rainha Bisca, Rei Mende e Rainha Trapa, Rei Boio e Rainha Ália, Rei Negro Norato e Rainha Zomba. Eles deverão relatar pessoalmente o ocorrido. — Assim farei – disse o Imperador – fiquem tranquilos. Grande Rei, Mago Natu, por gentileza, me aguardem na Sala da Rainha. Dirigindo-se aos hóspedes, o Imperador os conclamou: — Por gentileza, amigos, acalmem-se. Depois de mencionar os nomes citados pelo arauto real, chamou-os à Sala da Rainha: — Acompanhem-me ao Salão da Imperatriz. Precisamos ver Gônia. No salão da Imperatriz, os quatro reis e as quatro rainhas, emudecidos, cabisbaixos, muito aflitos, pareciam desnorteados. O Imperador e sua mulher, assistidos pelo Grande Rei e pelo Mago Natu, mantinham-se serenos, até que o Rei Médium perguntou: — Quem deseja falar primeiro? — Eu, senhor Imperador – pronunciou-se Rei Kórnio. — O que aconteceu? – quis saber a Imperatriz. — Meu filho, Príncipe Surubim, o Ur, virou um peixe. — Um peixe? – falaram juntos o Imperador e a Imperatriz. – Como assim? 216H. H. Entringer Pereira — E o meu filho também, senhor Imperador – adiantou-se Rei Boio – meu filho, o Príncipe Pintado, também virou um peixe. — E também a minha filha, a Princesa Kachara – lamentou-se a Rainha Zomba, banhada de lágrimas. Perdendo a calma, o Rei Negro Norato, marido da Rainha Zomba, muito enfurecido, acusava o Príncipe Andy, o “Y”, por toda aquela tragédia: — Tudo por causa daquele maldito. Tudo por causa da joia da tua Tia Ara, Rainha Gônia! Foi ele, o “Y” quem roubou aquela maldita joia e levou para o Bruxo Neno enfeitiçar. Tudo por causa também daqueles malditos sabonetes. Ouvindo as acusações do Rei Negro Norato, a Imperatriz interessou-se e pediu que o ele prosseguisse relatando o que sabia. — Depois que os prêmios foram entregues aos vencedores da Corrida Numpéssó – prosseguiu o Rei Negro Norato, suando frio, espumando pelo canto da boca, enquanto os outros ouviam calados – o Príncipe Surubim, o “Ur”, e o Príncipe Pintado chamaram minha filha Kachara para ir ao Poço dos Desejos e das Transformações. Queriam se banhar e usar as Barra Alimpa presentadas pela Rainha de Sabom. Princesa Kachara foi com nossa permissão. Mas ficamos vigiando e acompanhando de longe o que eles fariam. Vimos quando se molharam e começaram a passar os sabonetes uns nos outros. Começaram a gostar da brincadeira e, inocentemente, tiraram as roupas para esfregar as Barra Alimpa no corpo todo... Enquanto se ensaboavam, avistaram Príncipe Andy Suruba, o filho do Rei Mende e da Rainha Trapa, cavando a areia e desenterrando um objeto escondido. — Era a joia de camafeus? – interrompeu o Imperador. — Era – continuou Rei Negro Norato – mas ele tentou escondê-la dos três. Por curiosidade, os três foram ao seu encontro. Para disfarçar o que fazia, o Príncipe “Y” propôs-lhes uma brincadeira. A brincadeira do Suruba. Pegou a joia da Tia Ara, colocando-a sobre a cabeça deles, cada um de uma vez, pronunciando palavras de magia e esfregando-os ainda mais com os sabonetes. Pareciam praticar um ritual. Até que mandou que rolassem pela areia até chegar dentro d´água, enquanto dizia bem alto: “Esta é a magia do Suruba. Quem a tiara usou, caiu n’água, sendo gente, peixe virou ...”. Assim que os três tocaram na água, transformaram-se imediatamente em peixes. Um, o Príncipe Pintado, ficou cheio de manchas pequenas e pretas por conta das pedrinhas redondas que colaram em seu corpo enquanto rolara na areia. O outro, o Príncipe Surubim, o “Ur”, ficou com as marcas dos gravetos secos que colaram na pele ensaboada. E a outra, minha filha Kachara, ficou marcada com as folhas secas que grudaram em sua pele. Perplexos, os que ouviram o relatório nada disseram. Também não compreendiam como que a brincadeira do Suruba pudesse resultar numa magia daquele porte. Muito sérios, o Grande Rei e o Mago Natu entreolharam-se, como se soubessem de tudo antecipadamente. Rainha Zomba, desesperada, sacodiu Mago Natu pelos ombros, pedindo: — Mago Natu, eles foram enfeitiçados. Por misericórdia, faça qualquer coisa, uma mágica, um feitiço, um enguiromanço, mas faça minha filha voltar a ser gente! 217H. H. Entringer Pereira Rainha Bisca, também descontrolada, puxando os cabelos nervosamente, bradava: — Eu quero o meu filho Ur gente! Eu quero meu Príncipe Ur gente! Rainha Trapa, mãe do Príncipe “Y”, presenciando o desespero das outras mães, diante da passividade do Mago Natu e do Grande Rei, arrependida, resolveu confessar parte do seu envolvimento no sumiço e no enfeitiçamento da joia da Tia Ara. Além de mandar o filho furtar a tiara de camafeus que a Imperatriz usaria na cerimônia lunar do casamento, também admitiu o furto dos talheres e de uma taça, enquanto ceava, para atender ao pedido do Bruxo Neno: — Eu mesma pedi ao Andy Suruba que levasse a joia de camafeus da noiva para que o Bruxo Neno a enfeitiçasse. Queria entregá-la depois à minha irmã, Rainha Sissu, para que conseguisse engravidar. A joia da Tia Ara estava enfeitiçada para isso... Bastava que minha irmã a colocasse na cabeça por alguns minutos que ela haveria de ter o filho que há tanto tempo desejava. Eu iria devolvê-la secretamente. Não sabia que os meninos iriam usá-la como brinquedo. Mago Natu, calado até então, pronunciou-se: — Senhora Imperatriz, a joia da Tia Ara está mesmo enfeitiçada! Não a tome de volta. Quanto ao encantamento perpetrado pelo Príncipe Andy Suruba, o “Y”, só ele poderá desfazê-lo... Bem, quem sabe... Por favor, chamem o rapaz aqui. Rei Mende, pai do Príncipe “Y”, temeroso pelas consequências do pesadelo provocado inadvertidamente pelo filho, tentando protegê-lo, adiantou-se: — “Y” não sabe de nada. Não tem conhecimento do que fez. Nem como fez. “Y” não sente. O responsável por tudo isto é o Bruxo Neno. Ele é quem deve desfazer o feitiço. Tragam-no aqui. Rainha Trapa interveio, desfazendo a esperança de reverter o acontecido: — Bruxo Neno se foi. Vi quando subiu o rio com o Rei Mor e a Rainha Sissu. — Alguma coisa está errada – interrompeu o Mago Natu – Bruxo Neno não mora naquela direção, nem o Rei Mor e a Rainha Sissu foram embora. Seus pertences e acompanhantes ainda estão na casa de hóspedes. Certamente o Príncipe Andy Suruba, o “Y”, já lhes entregou a tiara. O Grande Rei a tudo assistia, sem interferências. Pediu licença, retirou-se discretamente, dirigiu-se aos compartimentos secretos do Palácio Fortaleza, onde se encontrava hospedado, na Câmara do GRAU. O Imperador Médium, a Imperatriz Gônia e o Mago Natu empenhavam-se juntos, buscando a solução, não para reverter o encantamento dos príncipes, porque sabiam ser impossível, mas para reaver a preciosa joia da Imperatriz Gônia e impedir que fosse utilizada para perpetrar outros encantamentos e malefícios ainda piores. Da casa de hóspedes, onde a Rainha Sissu e o Rei Mor estavam, ouviam-se vozes diversas. Rei Médium e Mago Natu julgaram que fossem os hóspedes procurados. Chamaram à porta. O Príncipe Andy Suruba veio atendê-los. Antes que perguntassem pela Rainha Sissu e o Rei Mor, explicou: — Minha tia saiu e está com a joia da Tia Ara! Se é isso que os senhores vieram buscar. Rei Mor, Bruxo Neno e ela passeiam rio acima. 218H. H. Entringer Pereira — Hum, a situação é pior do que imaginava – resmungou Mago Natu. – E quem está aí, conversando contigo, se não é a Rainha Sissu? — É o meu amigo, o Príncipe Putho, filho do Rei Inci e da Rainha Régia. Estamos jogando xadrez. — Venha comigo ao meu Santuário, imediatamente! – decidiu-se Mago Natu, convidando também o Imperador Médium para saírem juntos. Príncipe Andy Suruba, hesitante, perguntou ao Mago Natu: — Por que eu teria de ir com o senhor? Não quero sair daqui agora. Peguei a coisa da Tia Ara porque minha mãe mandou e já entreguei à minha tia, a Rainha Sissu. Ela me disse que devolveria hoje ainda! — Você não sabe, nem faz ideia do que está acontecendo. Você também foi enfeitiçado pela joia da Tia Ara. Por favor, não vá se banhar no rio. Não antes que eu me encontre com o Bruxo Neno – recomendou Mago Natu. Rainha Zomba, Rei Negro Norato, Rainha Bisca e Rei Boio vieram ao encontro do Mago Natu, exigindo a solução para desfazer o encantamento: — Não é justo, Mago Natu – ponderou Rei Negro Norato – que nossos filhos tenham sido encantados em peixes, e ao Príncipe “Y” nada aconteça! — Queremos que ele seja castigado pelo que fez – assentiu Rainha Zomba. — Exatamente – disse Rei Boio – por onde andam Rei Mor e a Rainha Sissu? Cadê o Bruxo Neno? — Acalmem-se, por favor – solicitou polidamente o Imperador Médium. – Já estávamos de saída para buscá-los. Resolveremos esta situação todos juntos. Do alto da janela da Câmara do GRAU, o Grande Rei observava a movimentação das pessoas, o burburinho causado pelo despropositado encantamento dos príncipes Surubim, Pintado e Kachara, e pela indiferença do Príncipe Andy Suruba, o “Y”, por toda a infelicidade que provocara com sua intemperança. A Rainha Trapa também não aparentava preocupação com a desventura dos príncipes, porque alimentava a esperança de que a joia da Tia Ara estivesse mesmo enfeitiçada e, finalmente, sua irmã, a Rainha Sissu, poderia se beneficiar com o encantamento para trazer a este mundo o desejado herdeiro do trono de Trindade. Rei Mende, entretanto, olhou para o alto e viu o Grande Rei à janela. Voltou-lhe contrito o pensamento, formulando o desejo de que o G. R., com todo poder e superioridade, desfizesse aquele terrível feitiço, pondo termo ao horror de que logo alguém pudesse pescar aqueles peixes para comê-los, sem jamais desconfiar de que, há menos de um dia, eram belos e garbosos potenciais herdeiros de tronos reais. O Grande Rei haveria certamente de restabelecer tudo à ordem, voltando até o tempo se preciso fosse, assim como era no princípio, agora e para sempre. Retirando o tecido que cobria o Espelho Universal, o EU, na Câmara do Grande Reflexo Auto Unificado, o Grande Rei viu se projetar uma imagem prevista: Bruxo Neno, Rainha Sissu e o Rei Mor estavam parados à frente do Portal do Santuário do Mago Natu, tentando eliminar o cão Philos, que lhes obstaculizava o ingresso àquele sagrado lugar. — Estão querendo entrar – pensou o Grande Rei – para pegar as mandrágoras que entreguei ao Mago Natu. Desta vez, vou impedi-los. 219H. H. Entringer Pereira Observado pelo cão Philos, um grande animal negro que ficava em frente à esquerda do misterioso portal, Bruxo Neno já havia pronunciado todas as palavras mágicas que conhecia e, que julgava, serviriam de senha para adentrar o Santuário do Mago Natu. Numa derradeira tentativa, voltou-se ao Rei Mor e pediu: — Senhor Rei Mor, não estou encontrando o jeito de eliminar o cão... pelo menos por enquanto. Já pronunciei todas as palavras de ação que conheço e nada... está difícil de fazer o cão dormir. — Você ao menos sabe o nome dele? – perguntou Rei Mor, mostrando interesse e desejando ser útil. — Acho que é Zilos, Pilos, Milos... sei lá, algo parecido com isto. Não é o nome dele a senha? Tenho certeza, mas já falei e não adiantou... Diga lá, Senhor Rei, alguma coisa. Quem sabe acerte a pronúncia e a gente consiga entrar? Daí usaremos o próprio cão para pegar pelo menos uma das três mandrágoras. — Bruxo Neno — disse Rei Mor —, se vós que se dizeis conhecedor de tantos feitiços e magias não estais dando conta, eu que pouco ou quase nada entendo destas ciências, muito menos de palavras secretas com poderes para encantar cães... mas vamos lá... façamos uma última tentativa, se é que vós ainda não bloqueastes a senha... – riu, debochado. — Hum – titubeou Bruxo Neno. – ‘tava me esquecendo de um detalhe: se a gente conseguir entrar, também precisa da senha pra sair... eu não sei, tampouco vós. Ficar preso lá dentro será a mesma coisa que fazer força sem conseguir cagar... Acho melhor a gente abortar essa parte do plano! Rainha Sissu não conteve o ataque de riso com a observação pouco conveniente e vulgar do Bruxo Neno. Lembrou-se do quanto a Rainha Zomba ria de tudo e de todos. Conteve-se, entretanto, quando se sentiu vingada sabendo que a filha da Rainha Zomba, a Princesa Kachara, transformara-se para sempre num enorme peixe liso, gosmento e rajado de preto. Dirigindo-se ao marido, o Rei Mor, falou baixinho: — Penso que conheço a senha... posso tentar? — Pois fale de uma vez... estamos correndo perigo e perdendo muito tempo neste lugar impenetrável – encorajou-a o marido. Postando-se de frente ao Portal do Santuário, evitando prudentemente se aproximar, preferindo distância de segurança do indomável cão negro, Philos, que a encarava, Rainha Sissu puxou fôlego. Ao abrir a boca, Bruxo Neno interrompeu-a abruptamente, ordenando: — Cale-se! Algo me diz que devemos dar o fora logo, imediatamente. Vamos para o barco. As mandrágoras que esperem... daqui a três anos voltarei para apanhá-las. Vamos, rápido! Deixaram o lugar tão apressadamente que a Rainha Sissu se esqueceu da joia de camafeus da Tia Ara pendurada na forquilha de um galho de árvore seca. Quis voltar, mas já estavam dentro da embarcação. Bruxo Neno, pressentindo o perigo a que se expunham, disse: — Deixe que continuem pensando que “Y” ‘tá co’a tiara. A gente pode sair daquele Palácio sem ver Gônia! 220H. H. Entringer Pereira Chegando ao Palácio Fortaleza, inconformada pelo esquecimento da tiara pendurada na forquilha da árvore seca, no portal, fora do Santuário do Mago Natu, Rainha Sissu implorou ao Bruxo Neno que retornasse lá para buscá-la. Percebendo, porém, que seria flagrado com o objeto furtado, caso obedecesse ao desejo da rainha, o Bruxo expôs-lhe os perigos a que se sujeitavam: — Meu coração não me engana. Sinto que o Magnético já sabe que viemos de lá e está procurando pela gente. O Grande Rei, tenho certeza, já avisou para ele que tentamos nos apoderar de suas mandrágoras. Com o Grande Rei na área, se passar do ponto, o doce azeda! Convencendo a Rainha Sissu de que esquecesse a tiara de camafeus e rubis e esperasse a oportunidade certa para se concretizar o encantamento com as mandrágoras, Bruxo Neno continuava relatando ao Rei Mor suas aptidões, prometendo-lhe realizar a segunda alternativa das suas receitas: — Sabe os ovos que Taruga Quelônia enterrou na areia, está lembrado? — Evidentemente – respondeu Rei Mor. — Pois é, estão todos prontos para usar. Posso fazer um excelente feitiço com eles. Garanto ao Senhor Rei engravidar sua rainha logo, logo... — Com os ovos? – indagou ingenuamente a Rainha Sissu. — Claro que não, com o instrumento próximo deles... – divertiu-se Bruxo Neno. Rei Mor não achou a menor graça na piada, porque já havia se submetido a um ritual com aquele propósito, celebrado pela Feiticeira Zuzu, a Sacerdotisa das Sombras, tão logo ela se mudara para o Reinado de Trindade. No entanto, o feitiço funcionara em parte: devolveu-lhe a potência, mas não a fertilidade. Trazendo seriedade ao assunto, proclamou: — Se usares aqueles ovos e, ainda assim, a rainha não engravidar, antes da próxima lua cheia, penduro-te no forcado de uma árvore, tal-qualmente fez Rei Albe, o Rico. — Juro e esconjuro, Senhor Rei Mor, que não carecerá. Vossa mulher haverá de engravidar. Quem já mostrou capacidade de fazer até gente virar bicho... engravidar vossa rainha vai ser mais fácil do que pensais... pode acreditar! Raciocinando nestes termos, Rei Mor demonstrava cada vez mais interesse pelas ciências ocultas, notadamente pelas artes da feitiçaria e seus encantamentos, dos quais o Bruxo Neno se vangloriava, não perdendo oportunidade de jactar-se, preconizando suas superlativas qualidades, suas práticas, maestria nos feitiços e os prodigiosos recursos nos mistérios de transformar até gente em bicho. Para impressionar o Rei Mor ainda mais, Bruxo Neno narrou-lhe particularidades de seu nascimento, dando ênfase ao que aconteceu na noite de sua concepção, por obra das forças ocultas, numa ritualística em que sua avó, a Bruxa Bizarra, celebrava a iniciação de sua mãe, a feiticeira Zureta, a qual recebeu naquela sessão sabática o cognome de Sacerdotisa das Sombras. Explicou-lhe também que a mãe, Feiticeira Zuzu, a despeito de ser extremamente competente naquelas artes e ofícios, não poderia mais adquirir o superlativo grau de Bruxa, porque não muito remotamente, no entrevero com o Rei 221H. H. Entringer Pereira Albe, o Rico, naquele momento de vulnerabilidade do qual o rei soube se aproveitar, tosou-lhe os cabelos rentes à nuca com sua adaga de prata, sentenciando-a, destarte, a jamais poder transformar criaturas em outros seres, criar seus próprios gênios ou transportar-se no forcado até os locais para os rituais sabáticos. E, talvez, por aquilo ainda não tivesse conseguido êxito completo na magia para devolver totalmente ao rei suas forças viris e fecundantes. — E o senhor tem capacidade para fazer tudo isto? – quis saber o Rei Mor. — Tudo isso e ainda mais. Sou especialista mesmo é em transformar gente em animais, sejam da água, sejam da terra ou do ar. Mas esta é uma história que eu levaria uma noite inteira pra lhe contar, Senhor Rei Mor! – atalhou o assunto e voltou-se para a Rainha Sissu: — Posso lhe garantir, Rainha Sissu, que mais ou menos no mesmo tempo em que a rainha Gonha parir os filhos gêmeos, os tais anunciados pelo Magnético durante o casamento, lembra? Um grande pássaro também visitará seus aposentos e a senhora vai parir um filho, ou uma filha... não importa o sexo, não é mesmo? Na noite em que conceberes, sentirás que o vosso rei parecerá diferente. Não se assuste, nem pronuncie uma palavra sequer. Entregue-se a ele totalmente e verá que ele também não pronunciará palavra alguma. Logo, então, te sentirás grávida. Deverão colocar o nome do que nascer, se for homem, Marmito, Príncipe Marmito. Se for mulher, Ana Conda, Princesa Ana Conda! — Não foi este primeiro nome que a Rainha Olinda e o Rei Pay colocaram no menino deles? – interrogou Rainha Sissu. — Aquele que viveu só um dia, está lembrada? Afinal, a senhora e o Senhor Rei Mor queriam mesmo que a Rainha Olinda morresse, não é? Atendi-lhes o pedido. Agora, ouçam o que estou lhes dizendo... – continuou o Bruxo Neno. — Por que teremos que colocar estes nomes horrorosos nos nossos filhos? – observou, contrariado, Rei Mor. — O porquê é segredo do Bruxo Neno – desdenhou. – Não posso explicar no momento. Mas se puserem qualquer outro nome no menino ou na menina, a senhora, Rainha Sissu, também morrerá de parto. Igualzinho ao que sucedeu com a Rainha Olinda, lembra? Desconfiado, um tanto cético a respeito dos saberes ocultos e da ponderabilidade dos efeitos provocados pelas manipulações das indecifráveis forças secretas subjugadas pelos feiticeiros, bruxos ou magos, Rei Mor oscilava entre acreditar nas façanhas mágicas do Bruxo Neno ou se render à evidência pura e simples de que a bruxaria constituía-se mesmo num conjunto sistemático de saberes, crenças e práticas que alcançavam resultados, independentemente do que a lógica ou a ordem natural das coisas prescrevessem. Abandonando momentaneamente sua racionalidade porque desejava fervorosamente que a Rainha Sissu lhe presenteasse com um ou dois herdeiros, deixou de lado suas inabaláveis convicções racionalistas, calando-se diante da enxurrada de questionamentos que gostaria de dirigir ao Bruxo Neno: — Essa questão de nome... Rainha Sissu é quem decide – disse Rei Mor, colocando ponto final na questão. 222H. H. Entringer Pereira — Prefiro não arriscar – consentiu Rainha Sissu – a mim, basta que seja um filho ou uma filha... não me importa que nome tenham! Depois que atracaram a embarcação, subiram as escadarias do porto, rumo ao Palácio Fortaleza, como se voltassem de um agradável e animado passeio vespertino. Rainha Trapa, avistando primeiro a irmã, por quem já procurava há horas, correu em sua direção e, muito afoita, quis logo saber: — Cadê a joia da Tia Ara, Sissu? Onde guardaste a peça de camafeus da Imperatriz Gônia? Surpresa com a afobação e o inesperado questionamento da irmã, Rainha Sissu respondeu, sem pensar: — Não vi, nem sei de Tia Ara de Imperatriz nenhuma... Nunca estive com a joia da Tia Ara! — Como? Não sabes da joia da Tia Ara? Teu sobrinho acaba de nos dizer que te entregou – admirou-se Rainha Zomba. – Disseram-me que o Príncipe Andy só roubou a peça da Tia Ara por tua causa, Rainha Trapa... para tua própria irmã, Rainha Sissu... — Já disse, repito, não estou com nenhuma joia da Tia Ara. Se “Y” roubou a tiara, ele é que preste contas. Virou as costas, cinicamente, deixando atordoadas Rainha Trapa, Rainha Zomba, Rainha Bisca e Rainha Ália. Enquanto discutiam entre si, esbravejando, acusando-se mutuamente em altos brados pela maldição do encantamento da tiara, seus maridos, Rei Mende, Rei Negro Norato, Rei Kórnio e Rei Boio, foram se avistar com o Imperador Médium, que se encontrava com a Imperatriz Gônia, o Mago Natu e o Grande Rei, buscando solucionar o inusitado caso. — Quero a minha princesa de volta! – gritava e esperneava Rainha Zomba. — Também quero meu Príncipe Ur de novo virado gente, quero Ur gente, Ur gente, ouviram? – vindicava Rainha Bisca, mãe do Príncipe Surubim. — Quero meu filho Príncipe Pintado de novo! – esbravejava Rainha Ália. — Tudo culpa tua, Trapa, megera! – insultava acusando-a, a Rainha Zomba. – E você, Rainha Sissu, fingida, falsa, hipócrita... estou uma arara contigo! Não saio daqui se não for junto com minha Princesa Kachara! Rainha Trapa não se conteve diante da indiferença da irmã, Rainha Sissu, que parecia alheia àquela mixórdia, sem esboçar qualquer intenção de defendê-la das injúrias da Rainha Zomba ou propor alguma solução ao dilema. Arrebatada pela sensação de ódio e desprezo, atirou-se sobre a Rainha Zomba, agredindo-a e vociferando: — Agora verás o que é virar uma arara! – disse, agarrando-a pelos cabelos. Rainha Trapa passou-lhe a perna, derrubando-a. Rolaram no chão, engalfinhando-se, até que Rainha Trapa, no esperneio, conseguiu empurrar Rainha Zomba, que bufava feito um boi raivoso para dentro do fosso, precipitando-a no canal que contornava o Palácio Fortaleza, ligando-o ao rio Aguaporé. A Rainha Zomba afundou-se nas águas escuras e profundas do canal. Diante dos olhos estupefatos dos outros reis e rainhas, que não conseguiram evitar o embate, viram um animal no formato de um excêntrico peixe vir à tona, emitindo um sopro 223H. H. Entringer Pereira muito forte, semelhante a bufados assustadores... Era Rainha Zomba, definitivamente e para sempre transformada no peixe arara, a Pirarara. — Nunca mais, Zomba, ria! – disse para si Bruxo Neno, assistindo de longe o embate entre as duas rainhas, Trapa e Zomba, satisfazendo-se ao ver o peixe de formato asqueroso, cascudo e da boca enorme, bem do jeito que ele imaginara transformar Rainha Zomba, na Pirarara. Ao ser avisado de que sua mulher também se transformara no pirarara, e que viesse vê-la, o Rei Negro Norato teve um súbito ataque de ódio. Saiu correndo em direção ao pátio onde estava o Bruxo Neno e, num golpe repentino, atracou-se a ele, enroscando-se, atraindo-o também para próximo do canal. Enquanto os dois rolavam, arrastando-se no chão, Bruxo Neno conseguiu sacar sua adaga de prata escondida sob as vestes, que sempre trazia na bainha, amarrada à cintura, atingindo num golpe certeiro o coração do Rei Negro Norato, atirando-o mortalmente ferido também para dentro do fosso. Nas águas turvas do canal, o sangue do Rei Negro Norato esguichou, contaminando-as, disseminando-se, tornando-as totalmente negras. Seu corpo foi se alongando e espichando até se metamorfosear numa imensa cobra negra, de olhos esbugalhados e vermelhos como tochas. Bruxo Neno, presenciando passivamente a cena, com ares de desprezo, exultou-se pelo resultado de mais uma de suas façanhas. Fez um sinal ao Rei Mor, acenando com um gesto de escárnio, e disse para consigo: Isto acontece com quem cobra do Bruxo Neno. Pode voltar para o seu reinado, Negro Norato. Aproveita e leva junto sua Rainha Pirarara e sua filha Kaxara! Mago Natu já estava ao seu lado quando ordenou: — Bruxo Neno, faça com que as águas negras com que o enfeitiçaste acompanhem a Cobra Norato para bem longe daqui. Que voltem lá para o distante reinado do Negro. Que elas não se misturem com as outras águas dos rios por onde passarem, principalmente com as do Grande Rio. Bruxo Neno sabia das sinistras consequências caso não atendesse ao que Mago Natu ordenava. Meio hesitante, mas forçado a obedecer, com alguns gestos e algumas palavras que pronunciou em voz baixa, fez com que a Cobra Norato se afastasse de vez, deixando limpo o canal do Palácio Fortaleza. Movendo-se com a correnteza para o rio Aguaporé, levou consigo a enorme mancha negra das más águas. A Cobra Grande retirou-se lentamente. Retornava e subia em direção ao Norte, para as longínquas terras do Rei Negro Norato, tingindo de negro o imenso rio que cortava aquele reinado para sempre, perpetuando-se a correr até se limpar quando se encontra com o Grande Rio. Mago Natu disse-lhe no ouvido: — Resolvido o problema das más águas! Porém o que ficou na história do Negro Norato não são as mágoas, mas a grande Cobra criada. O Imperador Médium consultou o Mago Natu sobre a possibilidade de reverter toda situação, com seus poderes de Mago. Mago Natu suspirou profundamente. Com olhar desalentador, desfez-lhe as esperanças: 224H. H. Entringer Pereira — Não há como desvirar encantamentos. Eles mesmos se desfarão, mas daqui a muitos, muitos anos, talvez milhares ... – conformou-o Mago Natu, convidando-o para acalmar apenas aos reis Kórnio e Boio e às rainhas Bisca e Ália. — Não me parece prudente fazer qualquer coisa contrária ao movimento – observou Mago Natu. — Mas podemos minimizar os efeitos, pelo menos? – arguiu o Imperador Médium. — É melhor falarmos destes acontecimentos pessoalmente ao Grande Rei. Embora não me pareça que Ele se sinta constrangido, incomodado ou atingido por eles. Está acima e além de tudo isto – concluiu Mago Natu. — O Grande Rei não recrimina atitudes, não discrimina comportamentos ou interfere no que acontece entre as pessoas. Tem uma visão superior, porque conhece o coração e a mente de todos. Sabe tudo quanto fazemos no presente, fizemos no passado e faremos no futuro! – conformou-se o Imperador Médium. — A realidade é esta, apenas esta. Mas vamos ter com Ele – encorajou-o Mago Natu. Ao encontrarem o Grande Rei na Câmara do GRAU, perceberam que já se preparava para a grande viagem de volta ao seu reinado, nas longínquas terras do outro lado do Oceano, no Reino da Perfeição. O Imperador Médium, visivelmente aflito, perguntou-lhe: — Grande Rei, estais a organizar Vosso regresso? — Certamente, respondeu. Iremos ao amanhecer. Zarparemos com as três naus. Já ordenei as providências. As embarcações encontram-se prontas, munidas das provisões a bordo, aguardando o momento de voltarmos. — Grande Rei, disponha da quantidade de ouro que almejais. Assim como da madeira que precisais... Que levem os vossos navios tudo quanto pudermos vos ofertar como prova de gratidão à Vossa tão excelsa presença – disse o imperador. — Poderei acompanhar-vos de volta, Grande Rei? – pediu Mago Natu. — Certamente, sempre haverá lugar reservado para vós em nossas embarcações. — E quando retornareis? – quis logo saber o imperador. — Quando vossos príncipes nascerem. Estarei de volta para celebrarmos o nascimento de Urucumacuã e Kurokuru – assegurou Mago Natu. O Imperador Médium sentiu uma profunda tristeza, como se fosse uma saudade antecipada. Não conseguiu disfarçar os olhos lacrimosos, porque além do regresso do Grande Rei, também sentia pelo Mago Natu anunciando a intenção de se ausentar por algum tempo. A presença do Grande Rei por aqueles dias no Palácio Fortaleza, no Reino do Elo Dourado, exercera sobre ele um fascínio indescritível. Os incomparáveis eflúvios daquela presença semelhavam-se à inefável suprema felicidade, talvez se comparassem mesmo à presença de um deus. Tudo nele era perfeito. Seus gestos, movimentos, olhares, palavras, atitudes. Emanava uma vibração tão amorosa, benéfica, pacífica, sábia e poderosa que transpunha os limites da realidade circunstante, arrebatando de sublime afabilidade os que estavam em sua presença. A admirável tonalidade de sua voz, a 225H. H. Entringer Pereira majestosa humildade, o semblante sereno e a radiosa fisionomia eram marcas inquestionáveis de sua extraordinária sabedoria. Extremamente grato e feliz por tão excelsa companhia, solicitou: — Grande Rei, venha também para festejar o nascimento dos meus filhos! — Não estarei pessoalmente, mas ainda que não me vejam, saberão da minha presença – garantiu. — Mago Natu – quis saber o imperador – como ficarei sem vossa presença no Elo Dourado, durante este tempo? — Não se inquiete vosso coração pelos acontecimentos passados, nem tampouco pelos vindouros. Confie na excelência da Imperatriz. Ela bem o auxiliará. Aos que precisarem, ordene ver Gônia! Se não quiserem, mande-os ver Neno! Ouvistes o Grande Rei: “não queira mudar o jeito das coisas acontecerem”. Deixe que os rios escavem e desenhem seus próprios cursos, até chegarem ao grande rio e deste ao Oceano. Aos dias de alegria sucederão as aflições e, assim, alternativamente pelos séculos dos séculos... — Mais aflições do que já presenciamos? – interrompeu, cético, o Imperador Médium. — Sim, confirmou. Torno a vos dizer: nada jamais aconteceu nem acontecerá por obra do acaso. Há e haverá sempre uma razão para tudo. Para o sábio, o caminho da vida é para cima, onde nenhum caminho parece aberto, mas por ele mesmo assim o descobre. É preciso um ciclo encerrado para que se comece outro. Deixe que as coisas hão de acontecer como é preciso. Com o dedo indicador desenhou no ar algumas letras no formato maiúsculo e disse, enquanto sinalizava os monogramas: — Obedecer. Lembre-se sempre. O Imperador Médium entendeu ao que se referia o Mago Natu e, antes que os deixasse a sós, fez outra pergunta: — Mago Natu, o que me aconselhas a fazer com o Bruxo Neno? Aprovas o resultado de suas embaraçosas e disparatadas ações? — Deixem-no partir. Antes de viajar, eu mesmo cuidarei disso. Está quase pronto para se mudar para o Reinado de Trindade. Deseja ser vassalo do Rei Mor. A mãe dele, a Sacerdotisa das Sombras, já habita aquelas terras, desde que a Rainha Alzira começou a reinar em Avilhanas e a expulsou, logo depois que o Rei Albe, o Rico, enforcou-se. Os dois, mãe e filho, reunirão forças, em princípio para satisfação do próprio Rei Mor, depois, tentarão destruí-lo. Por fim, destruirão a si mesmos. O Imperador Médium, interessado na revelação, quis outras informações e indagou: — Como destruirão a si mesmos? — De tantas demonstrações, acabarão se transformando em monstros. Mago Natu não acrescentou detalhes, mas antecipou a resposta a uma futura pergunta: — O Príncipe Urucumacuã, vosso anunciado filho, no tempo certo, haverá de dominá-los. Porém, outros monstros surgirão, da mesma forma que surgiu a Mula Sem Cabeça. 226H. H. Entringer Pereira O Imperador Médium ficou muito sério, calou-se por um instante e acrescentou um pedido: — Peço a vós e ao Grande Rei que volteis ao Reino do Elo Dourado, antes do nascimento de Urucumacuã e Kurokuru, daqui a três anos, para que festejemos com uma grande celebração. O Grande Rei abraçou-o amistosamente, assegurando-lhe: — Não virei pessoalmente, mas sentireis minha presença. Darei sinais de que estarei por aqui. Mago Natu, sentindo o Imperador Médium aflito ainda com os extravagantes acontecimentos registrados naquele dia, tranquilizou-o, dizendo que ainda tinham tempo para resolver alguns problemas: — Não vos preocupeis com o que se há de fazer, nem desfazer. O que está feito, está feito. Vou simplesmente advertir o Bruxo Neno para que não cometa outras insanidades, mas tampouco tentarei impedi-lo. É bom que ele se mude deste reinado. No entanto, não o proíbam de vir aqui, quando quiser... ou precisar. — Mago Natu, se ele voltar aqui, é provável que abuse novamente de suas bizarrices. Suscetível também utilizar-se de recursos piores para nos afrontar ou simplesmente provocar. Devo permitir que venha à festa de nascimento dos meus filhos? — Se ele quiser, não atalhe seu destino, nem se contraponha à sua vontade – pediu Mago Natu. – Deixe-o livre para decidir. É necessário que alguns acontecimentos mantenham seus fluxos, sem interrupção. Prepare-se. Muitas outras coisas fantásticas surgirão no decurso do tempo... Não se desespere, nem se julgue culpado. Lembre-se: tudo está como se escrito nas estrelas. Quando Mago Natu concluiu seu diálogo com o Imperador Médium, o Grande Rei pegou um recipiente de prata sobre um móvel de marfim ao lado de sua cama, recomendando: — Ao Mago Natu, presenteei com as três mandrágoras. Ao Imperador Médium, entrego estas sementes. Plante-as, pois algo darão. Se preferir, reparta-as com o Marquês de Corumbi, para que também as cultive. Diga-lhe que deverá plantá-las por toda a extensão de suas terras. No lugar onde o Marquês de Corumbi ara. O Imperador Médium discretamente avisou ao Grande Rei que um banquete suntuoso os aguardava dali a uma hora, na Praia da Lua Clara. Tanto os hóspedes reais quanto os demais súditos convidados teriam, assim, oportunidade de mais uma vez desfrutar da nobre e excelsa companhia, além de poderem despedir-se pessoalmente do Grande Rei. Deixando-o a sós, desceu os trinta e três degraus da escadaria da Câmara do GRAU, pensando como haveria de ser excepcional a viagem que Mago Natu empreenderia ao Reino da Perfeição com o Grande Rei. Desejou por alguns instantes a liberdade de Mago Natu, que podia ir e vir sem compromissos que o impedissem de realizar sua própria vontade. Conformando-se, no entanto, com sua condição de imperador e homem recém-casado, o Imperador Médium sorriu para o Mago Natu. Antes que falasse o que pretendia, Mago Natu leu seu pensamento, dizendo-lhe: “É melhor ser amigo do rei do que ser o próprio rei, meu caro amigo imperador ”. 227H. H. Entringer Pereira Ambos sorriram. Rei Médium pediu licença e saiu: — Vou chamar Gônia e Alimpa. Creio que Araci já terminou de lhes contar toda a história do tio Albe, o Rico. — E eu vou investigar o Bruxo Neno – despediu-se Mago Natu, também se retirando. Mago Natu precisava ouvir o Bruxo Neno a respeito de seus planos, tanto mais para adverti-lo dos seus nefastos e indesejáveis procedimentos. Acertara com o Imperador Médium que aconselharia o bruxo a se mudar, trocando os domínios do Elo Dourado pelo Reinado de Trindade, do Rei Mor, uma vez que suas atitudes feriam princípios de honra e ética necessários aos praticantes das magias e das ciências ocultas. Trouxera constrangimentos para Mago Natu, aflição para o Imperador Médium e a Imperatriz Gônia e grande sofrimento para os convidados atingidos direta e indiretamente pelos efeitos de sua magia transformista. Pensando na maneira de como fazer ao Bruxo Neno as advertências e recomendações que prometera ao imperador, Mago Natu defrontou-se com ele, enquanto conversava animadamente com o Rei Mor. Ao se aproximar, percebeu que mudaram rapidamente o tom da prosa. Mago Natu sabia exatamente do que tratavam: “Tanto melhor que ele esteja combinando com o Rei Mor sua mudança de reinado, uma vez que sua mãe, a Feiticeira Zuzu, já está morando naquelas plagas”, pensou Mago Natu. “Estaremos livres de alguns embaraços futuros. Melhor Bruxo Neno ir para as terras do Rei Mor do que a Sacerdotisa das Sombras vir para o Império do Elo Dourado.” Disfarçando o que havia sondado sobre as intenções do Bruxo Neno, Mago Natu inquiriu: — O senhor pode, por obséquio, dizer-me onde colocou a joia de camafeus da Tia Ara? Aquela mesma que pertence à Imperatriz Gônia e que, por caprichos de tuas amarrações, desencadeou tantas excentricidades? — Dizer eu não preciso, porque sei que o Magnético sabe de tudo. Com certeza, logo, logo, vai encontrar, está lembrado? Se é que ainda não a achou. Procure-a lá pelas bandas de cima do rio, no mesmo lugar onde minha querida Quelônia foi enfeitiçada naquele bicho asqueroso – respondeu, zombeteiro. Mago Natu sentiu que Bruxo Neno agira motivado por vingança. Indiferente, alheio a todas as aflições que provocara, utilizou-se dos seus poderes malignos para desencadear fenômenos irreversíveis de transformações, retaliando o castigo aplicado a sua companheira, Taruga Quelônia, a Tal Taruga. — Obrigado. Já sei onde ela está, Bruxo Neno. Vejo a peça da Tia Ara colocada num galho de árvore seca. Ainda hoje irei buscá-la. Obrigado, passem bem! — Quando a encontrar – desafiou-o Bruxo Neno – duvido que consigas desencantar a joia da Tia Ara! – arrematou, escarnecendo-se do Mago Natu. – A tiara vai ficar enfeitiçada enquanto eu quiser. Com um aceno de cabeça, Mago Natu não contra-argumentou e gentilmente se despediu. Deixou-os, planejando ir ao Santuário Natu Reza, para estar de volta antes do anoitecer. Precisava retornar com a joia de camafeus da Imperatriz Gônia. Já havia se distanciado do Bruxo Neno e do Rei Mor quando uma ideia lhe ocorreu: Bruxo Neno e 228H. H. Entringer Pereira o Rei Mor combinavam alguma coisa sigilosamente. Ouviu chamarem seu nome. Volvendo-se, avistou o bruxo que lhe acenava com a mão: — Mago Natu, Magnético, volte aqui... quero lhe contar uma novidade! — Não é preciso – retrucou Mago Natu, à distância – já sei que estás planejando mudança do Elo Dourado para o Reinado de Trindade, onde está tua mãe, a Feiticeira Zuzu. Boa sorte ao Bruxo Neno, vida longa ao Rei Mor e a toda sua Corte! Intrigado com a antecipada revelação do Mago Natu, a despeito da inveja que lhe devotava, sem querer expor nem demonstrar a extensão de sua incontida rivalidade, Bruxo Neno cochichou nos ouvidos do Rei Mor: — Esse Mago Natu pensa que sabe de tudo. O Senhor, Rei Mor, já viu do que eu sou capaz, o que ainda não pode dizer dele. Não lhe mostrou nada que comprove ser melhor do que eu, tanto nas ciências ocultas como nas artes da magia, além de umas poucas coisinhas que fala aqui e acolá, está lembrado? Que mais ele fez? Nada. Não sei por que o Rei Médium, agora que é imperador, dá tanto crédito a esse mago, ao ponto de permitir que entre lá naqueles aposentos secretos, onde só ele e o Grande Rei deveriam entrar. Percebendo que o Rei Mor não estava interessado em ouvir suas lamentações desrespeitosas e descabidas sobre a pessoa irrepreensível do Mago Natu, Bruxo Neno voltou ao assunto que interessava ao rei: — Continuo prometendo... Vossa Rainha terá o filho, ou a filha, que deseja e vosso reinado vai ser muito, muito mais... maior e melhor do que esse imperiozinho de beira de rio — acrescentou, com indisfarçado sarcasmo. E prometeu mais: — Qualquer um que tentar vos atrapalhar, eu transformo em bicho, dou sumiço e ponto, resolvo o caso. Rei Mor, inflado de orgulho, inchado de soberba com a lisonjeira bajulação com que Bruxo Neno gratuitamente o agraciava, prometeu-lhe sob juramento: 328 — Palavra do Rei Mor: se fizeres mesmo a Rainha Sissu me dar um herdeiro ou herdeiros, ou os dois de uma vez, minhas minas de ouro e prata, dobrarem de produção, como dizes; minhas éguas de corrida aumentarem a fertilidade; sem vos esquecer de fazer progredir também a minha criação de catetos (Tayassu tajacu); concederei a mão da minha jovem e mais bela criada, a Murmur, para que a desposes, além de facultar-vos outros favores que haverão de ser bem convenientes. Mas, lembrai-vos, deverás me prometer lealdade e fidelidade até a própria morte, prestando-me submissão e vassalagem, evidentemente. — Assim será – jurou-lhe Bruxo Neno. Imediatamente ajoelhou-se diante do Rei Mor, ferindo a ponta de seu dedo indicador esquerdo com a afiada lâmina de sua adaga de prata. Juntando algumas gotas de seu sangue, permitiu que pingassem aos pés do Rei Mor, comprometendo-se: — Prometo-vos, por este juramento pactuado de sangue, dar minha própria vida em defesa da vossa e do Reinado de Trindade, se assim for preciso. Encostou a testa aos pés do Rei Mor e beijou-os, selando, com aquele gesto, o pacto de lealdade. Querendo imitar o Mago Natu, que prestava reverência ao Grande 229H. H. Entringer Pereira Rei pronunciando uma sequência enigmática de letras cujo significado só ele e o Grande Rei conheciam, pronunciou em voz alta e solene: — R.M.:T.U.V.X.Z.! Rei Mor, pego de surpresa, não conseguiu decifrar o que a secreta proclamação simbolizava, porque nada entendia de signos, emblemas e enigmas. Não querendo demonstrar sua ignorância, nem se humilhar perante o Bruxo, perguntando o que este queria dizer com a sequência alfabética, respondeu disparatado, dando a entender que decifrara o segredo: — B.N.:T.U.V.X.Z.! O Bruxo Neno, também surpreso com a resposta, pensou: “Será que o Rei Mor adivinhou o que acabei de inventar agora para significar essas letras? Tenho que ser rápido. Se me perguntar, vou dizer que meu enigma é: R.ei M.or: T.erás U.m V.aloroso X.amã Z.oólogo! E se ele quiser que eu decifre o enigma dele, o que vou dizer?” Continuou pensando e imaginando, ao mesmo tempo em que o Rei Mor também procurava dar significado correspondente às letras do enigma que propusera. Refletiu, conjeturou até que lhe ocorreu a seguinte combinação: “B.ruxo N.eno: T.erei U.m V.assalo X.amã Z.eloso ”. Receando ambos que pudessem expor suas deficiências e ignorâncias, por não conhecerem em profundidade o que significavam os respectivos enigmas, Rei Mor ordenou que o Bruxo Neno se levantasse e concluiu: — Aceito vosso juramento. Pertenceis agora ao Reino de Trindade, assim como já pertence aos meus domínios a Feiticeira Zureta. Tempos desses, tua mãe, a Sacerdotisa das Sombras, Feiticeira Zuzu, veio morar no Reino de Trindade. Ela também me jurou lealdade e já lhe devo alguns excelentes favores! Ao ouvir sobre os préstimos de sua mãe, Bruxo Neno interessou-se por descobrir que favores ou que trabalhos seriam aqueles mencionados pelo Rei Mor e de quais instrumentos mágicos a Feiticeira Zuzu andava se utilizando. Sucintamente, o rei descreveu um ritual de magia, numa noite de lua cheia, celebrado no Bosque da Solidão, para lhe devolver a virilidade, perdida desde os tempos em que a Rainha Olinda, mulher do Rei Pay, morrera, grávida de sete meses; e Bruxo Neno se lembrou do episódio por ter sido ele mesmo quem fez o encantamento com ovos de lagartixa, para que a rainha perdesse o filho e morresse. Desde então, o Rei Mor não conseguira ereção para acasalar-se com sua mulher, a Rainha Sissu: — Fizeste o feitiço para Rainha Olinda, mas o efeito contrário também me atingiu. Desde aquele tempo, não consigo nem tentar engravidar minha mulher. É certo que até hoje a Rainha Sissu não engravidou, mas a Feiticeira Zuzu me garantiu que, quando ela e seu próprio filho, que és tu, estivessem morando sob os domínios de um mesmo Senhor, que sou eu, minha descendência estaria assegurada! Ah, agora as coisas se encaixam... É isso que ela queria dizer... Tereis mesmo que se mudar para o Reinado de Trindade a fim de que se cumpra o augúrio de tua mãe e a Rainha Sissu me dê herdeiros... — Perguntei-vos, Senhor meu Rei, que instrumentos minha mãe usou? Não vos recordais? 230H. H. Entringer Pereira — Re-cordo. Corda. Bem, não propriamente uma corda. Parecia um bridão. Isto, um bridão de fios reluzentes! – confidenciou o Rei Mor no ouvido do Bruxo Neno. — Conheço a história desse bridão poderoso! Ele faz e acontece! Agora é todo nosso. Poderemos encantar gente em bicho, bicho em gente e encontrar tesouros! – exclamou, presunçoso, tomado de ambição. — Encontrar tesouros? – interessou-se Rei Mor. “Esta parte muito me interessa”, Rei Mor pensou sem dizer... — Posso conseguir tudo isto. Só preciso que o Senhor Rei cumpra com o prometido. Dê-me a mão da bela Murmur em casamento. — Palavra de rei é palavra de rei, Bruxo Neno. Cumpra com tua parte, então. Não vos esqueçais: ou fazeis por onde, ou mandarei cortar-vos o pescoço! — Não carecerá, Senhor Rei. Bruxo Neno fala... Bruxo Neno faz
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p e s s o a s 🤩 boníssimo início de tarde ☀ é com grande prazer que se convida todxs que já passaram pela experiência do acolhimento do syncup geral do ReRe bem como interagentes exploradores para experienciar daqui a pouco as 14h30 a exploração da originição básica através do ReRe mapeamento básico whitehat do projeto OCA terravila glocal com o querido @brazdyvinnuh 💫 https://us02web.zoom.us/j/86263593876?pwd=ApKXCmnNJnkMPCpmS7MeEj2mM3GRbf.1
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Me interessei ao primeiro contato. Com a observação veio o encantamento, por essa espécie tão singular, e, ao mesmo tempo, multifacetado.
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA 2a.EDIÇÃO LIVRO 2 CAP. 55
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A CORRIDA NUMPÉSSÓ As festividades comemorativas ao casamento imperial seriam concluídas com a Corrida Numpéssó. A população da cidade do Elo Dourado, agora Império do Elo Dourado, juntamente a seus hóspedes, os convidados do Imperador Médium e da Imperatriz Gônia, estavam se movimentando em torno da organização da esperada Corrida, anunciada com as outras programações alusivas ao grande evento. Professora Plínia havia ordenado a limpeza, sinalização e balizamento dos locais por onde os corredores passariam, resultando numa extensa alameda entre árvores de castanheiras (Bertholletia excelsa ), imburanas-de-cheiro (Amburana cearensis ), cedros (Cedrela odorata), mognos (Swietenia macrophilla), pequis (Caryocar brasiliensis ), manacás-da-serra (T. mutabilis) e espirradeiras (Nerium odoratum ), que exibiam maravilhosa e perfumada floração, transformando a pista da corrida numa sombrífera e arejada via florida. A primeira parte da manhã seguinte ao casamento já findara. A população da cidade do Elo Dourado e seus hóspedes, convidados do Imperador Médium e da Imperatriz Gônia, se movimentavam em torno da organização da Corrida Numpessó, anunciada com entusiasmo juntamente às demais comemorações do casamento real. Aquela modalidade esportiva, praticada com exclusividade no Reino do Elo Dourado, só rivalizava em preferência popular com as corridas anuais de cavalos, na Hípica Tenusa, do Reinado de Trindade, nos domínios do Rei Mor. Reis, rainhas e outros descendentes da nobreza viajavam por terra e água, dias e dias seguidos para assistirem ou participarem daqueles disputados eventos. Alguns corredores de Numpessó acumulavam fama e riqueza pela contagem de vezes que venciam as disputas. Os apostadores porfiavam enormes quantidades de ouro, proporcionais ao peso corporal dos seus corredores favoritos. Naquele ano, o Príncipe Nico era o franco favorito, pelas vezes que vencera outras corridas Numpessó – O que enchia de orgulho seu usurário pai, o Rei Pindaíba, e sua não menos avarenta mãe, a Rainha Tapera. A ralé, despeitada pelos montes de ouro que o arrogante e exaltado Príncipe Nico havia ganhado com suas bem-sucedidas participações no esporte e pela grande soma em ouro ganho pelo casal sovina, debochavam da família do Rei Pindaíba, que juntava a fome à vontade de comer. Havia mais dois corredores igualmente calibrados: o filho do Rei Kórnio e da Rainha Bisca, Príncipe Surubim, conhecido pelo apelido de Ur, e o Príncipe Pintado, filho do Rei Boio e da Rainha Ália. Mais de cinquenta corredores estavam inscritos, entre representantes reais, da nobreza e da plebe. A corrida Numpessó tinha regras bem definidas. O corredor podia se utilizar das duas pernas, desde que fosse uma de cada vez. Se colocasse os dois pés ao mesmo tempo no chão, os fiscais da prova – sempre muito atentos, portando bandeiras vermelhas, sinalizavam a esperteza agitando as flâmulas, desclassificando o corredor, o que acabava por se constituir em grande desonra. Dada a largada, sob os aplausos efusivos e calorosos de grande plateia, os três príncipes favoritos logo abriram vantagem e revezaram, ora um, ora outro, na dianteira da prova, com poucas pernadas de diferença entre eles. A conclusão do percurso exigia 212H. H. Entringer Pereira grande resistência física e habilidade. Todo o trecho entre as floridas alamedas perfazia um total de dez mil pés, equivalentes a pouco mais de três quilômetros e meio. Cerca de quinze minutos após a largada, o Príncipe Nico vencia novamente a corrida. E na segunda posição ficou o Príncipe Pintado, e em terceira o Príncipe Surubim, o Ur. Devidamente honrados e agraciados respectivamente com as taças de ouro, prata e bronze, o vencedor foi coroado ainda com folhas de louro, e todos os três ganharam também algumas amostras perfumadas dos sensacionais sabonetes Barra Alimpa das mãos da própria Rainha de Sabom. Ela assistira à corrida tão entusiasticamente que prometera voltar em visita ao Império do Elo Dourado, dali a três anos, para comemorar o nascimento dos príncipes gêmeos Urucumacuã e Kurokuru e assistir novamente à corrida Numpessó. Ao colocar a coroa de louros sobre a cabeça do Príncipe Nico, a Rainha Gônia, a quem coube tal honraria, lembrou-se de sua desaparecida tiara de camafeus. Enquanto o Grande Rei agraciava indistintamente todos os participantes da corrida, nobres ou plebeus, com um vistoso medalhão de cobre, gravado com as insígnias do Império do Elo Dourado – um escudo composto de um quadrado com os cantos em formato de losango tais como as muralhas do Palácio Fortaleza, com uma espada Kalibur no centro, à direita uma palmeira, à esquerda uma árvore frondosa, um Sol no interior do quadrado e letras escritas numa faixa vermelha sobre a empunhadura da espada: R.M. – R.G.: I.E.D. (Rei Médium – Rainha Gônia: Império Elo Dourado) – Rainha Gônia achegou-se ao Rei Médium discretamente e perguntou: — Senhor, tu viste o Príncipe Andy entre os que correram Numpessó? — Não que eu me lembre. Mas é fácil saber. Já reparaste entre os que estão recebendo as medalhas do Grande Rei? – tranquilizou-a Rei Médium. — Já reparei. Não o vi – observou Rainha Gônia. — Vamos perguntar à Professora Plínia. Ela mesma fez as inscrições dos corredores nesta prova. Mago Natu estava próximo da Professora Plínia e percebeu quando falaram a respeito do Príncipe Andy: — Querem saber onde está “Y”? – adiantou-se. — O senhor sabe? – inquiriu Rainha Gônia. — “Y” está com a tiara – disse Mago Natu, repetindo a mesma frase que pronunciara durante a cerimônia lunar do casamento. Rei Médium lembrou-se de que teria mesmo ouvido aquela espécie de senha, exatamente como a Rainha Gônia, enquanto estavam ao pé do altar durante a cerimônia. Indagou ao Mago Natu: — Por que “Y” fez isso? — Creio que está sendo manipulado por alguém. Certamente colocou-se à disposição do Bruxo Neno, para satisfazer desejos obscuros de alguns. Enquanto assistíamos ontem à tarde à apresentação dos Falcoeiros, percebi quando o Rei Mor, o Príncipe Andy e o Bruxo Neno se ausentaram por uns tempos. É possível que o Bruxo Neno queira não somente se vingar da triste sina da sua mulher, a Tal Taruga, como também se utilizar da joia da Tia Ara, porque agora é da Imperatriz Gônia, para transformá-la em objeto de encantamento, concretizando suas mundrungas para 213H. H. Entringer Pereira convencer o Rei Mor ou a outros que pretende impressionar com seus pretensos artifícios, usando-a como fetiche. — Neste caso – disse a Imperatriz – preciso recuperar forçosamente a joia da minha Tia Ara. Basta-me o que fizeram aos meus pés, antes mesmo de eu nascer. Mago Natu olhou para o Imperador Médium, esboçou um sorriso cúmplice, pensou consigo “farão ainda pior” e perguntou: — Descobriste o segredo? A Imperatriz Gônia também sorriu discretamente. Antes que o Imperador Médium se manifestasse, adiantou: — Prometeu-me belos calçados para as minhas patas. — Sim, a essas patas! Muitas, belas sapatas – disse o Imperador. Retornando ao assunto do desaparecimento da joia da Tia Ara, presenteada desde quando a princesa se tornou rainha, a Imperatriz Gônia, Mago Natu e o Imperador puseram-se a procurar o Príncipe Andy, para se certificar de que o objeto tivesse mesmo com ele. O Imperador Médium, confidenciando suas preocupações com a atitude do jovem Príncipe “Y”, filho do Rei Mende e da Rainha Trapa, ouviu do Mago Natu: — Parece-me razoável que a esta hora o Príncipe Surubim e o Príncipe Pintado estejam se banhando à beira do rio. Pela amizade que têm com o Príncipe Andy devem estar juntos, comemorando a premiação na corrida Numpessó. Vamos primeiramente aos aposentos do Príncipe “Y”. É preciso verificar se lá se encontra. — Quem lá se encontra, o Príncipe “Y” ou a joia da Tia Ara? – indagou o Imperador. — Senhor Imperador, os dois, um dos dois ou nenhum dos dois. — Assim é muito fácil... – brincou o Imperador Médium. Qualquer prognóstico que dê, Mago Natu acerta sempre! Riram-se, indo em direção ao Palácio Fortaleza. Numa das doze casas de hospedagens reais, na Casa de Escorpião, estava a família do Rei Mende e da Rainha Trapa. Príncipe Andy, porém, não se encontrava nos aposentos. — Julguei certo – comentou Mago Natu – Estão todos à beira do rio, deliciando-se com os sabonetes. Façamos uma busca. Quem sabe a joia esteja entre seus pertences... Não encontrando a joia preciosa, Rei Médium sugeriu que esperassem até o dia seguinte, quando a família estivesse se preparando para voltar ao seu distante reinado, próximo de onde o rio da Madeira se juntava ao Grande Rio. A Imperatriz Gônia, decidida a evitar constrangimentos, afinal não se tinha certeza de que fora o Príncipe “Y” quem havia pegado a tiara, concordou com o Imperador e assentiu que a prudência recomendava melhor investigação. — Ainda que Andy tenha roubado a joia da Tia Ara, dentro de três anos, todos voltarão para a festa de nascimento dos nossos filhos, Urucumacuã e Kurokuru... Até lá, certamente teremos oportunidade de recuperá-la. — Por falar em joia – atalhou Mago Natu – está na hora de encomendarem ao ourives Kalibur as espadas dos seus filhos, os príncipes gêmeos. Devo preveni-los de uma coisa: a Senhora Kalibur também dará à luz um menino no mesmo ano em que a 214H. H. Entringer Pereira Imperatriz terá seus filhos. Encomendem, pois, as espadas, porque talvez não dê tempo de ele atender as duas encomendas. — Queres dizer que Kalibur vai nos deixar? — Faça o que lhe digo. O tempo é que dirá! — Bem lembrado, farei isso o mais breve possível — prometeu o Imperador Médium —. Se até lá a joia da Tia Ara não aparecer, também pedirei que Kalibur confeccione outra, mais bela ainda, com mais esmeraldas e o dobro de brilhantes, especialmente para a minha amada Imperatriz, Rainha Gônia.
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA - LIVRO 2 CAPÍTULO 54
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a SAGRAÇÃO DA SOBERANA RARA Na Sala do Trono, os nobres palacianos, os quatro cavaleiros visitantes e o Louco aguardavam a cerimônia solene de sagração da Rainha Alzira, a Soberana RARA. A guarda real colocou-se perfilada em duas colunas, trajada com seus fardões de gala e suas espadas reluzentes cruzadas, formando um túnel sob as quais logo adentraria a rainha, vindo a sua frente o Mago Natu e quatro sentinelas, conduzindo a espada, o cetro, a coroa e o manto que pertenceram ao falecido Rei Albe, o Rico, símbolos supremos daquela Casa Real. Pela janela aberta, o Sol iluminava o trono cravejado de esmeraldas e brilhantes. Mago Natu iniciou o ritual da sagração e juramento colocando, primeiramente, a Coroa sobre a cabeça da Rainha Alzira: — Para que tenhais sabedoria, lembrando-se de que sempre há um Poder Maior, Superior a qualquer Rei ou Rainha que passam sobre este chão. – Entregou-lhe o Manto – Para que lembreis dos que dependem de vós, dos que lhe prestam vassalagem e serviços e de tantos outros que, vindo à vossa retaguarda, não sejam pisados. – Entregou-lhe o Cetro – Para que lembreis de que o Poder sendo um só, o que está em cima é como o que está embaixo. E, finalmente, entregou-lhe a Espada – Para defenderes teu reino com honra, dignidade e Justiça. — Senhora das Pedras Verdes, Rainha Alzira do Reino de Avilhanas, Eu vos consagro e declaro Soberana RARA. Perante o Sol que a tudo e a todos aquece e clareia, juras que reinarás sobre tudo o que está nos teus domínios, aos fracos e aos fortes, com igualdade, bondade e justiça? — Sim, perante o Sol, eu juro! — Assim então será. Daqui a nove luas cheias, nascerá de ti o fruto que está sendo gestado. Lamentarás, no futuro, o que no passado plantaste! Teu herdeiro te sucederá, mas sua geração não reinará. Que haja Paz e bonança sobre teus dias! Houve um silêncio profundo, interrompido pelo tinido das espadas que se entrecruzaram à passagem da Soberana RARA em direção ao trono. Emocionada, compreendia o que as palavras do Mago Natu significavam. Entregou-se às lágrimas. Seu coração não lhe enganava. Sabia perfeitamente o que tinha plantado e qual haveria de ser sua colheita. Recompôs-se de pronto, convidou a todos para uma refeição que já estava servida e pediu ao Louco que cantasse umas trovas bem alegres. Convocou seu Intendente de Contas e Justiça, Duque de Contagem, bem como seu nobre e honrado corpo de conselheiros para o primeiro de seus atos régios: a inspeção ao cárcere do Reinado. Queria conhecer pessoalmente quais e quantos eram seus súditos prisioneiros. Os calabouços do Palácio das Esmeraldas não se diferenciavam dos congêneres dos outros palácios, mas apresentavam características que os notabilizavam: em atendimento aos apelos da própria Rainha Alzira, o Rei Albe, o Rico, ordenou que fossem dotados de janelas, por onde penetrasse a luz do sol, e que os condenados não ficassem acorrentados. Bastava-lhes a prisão, ainda que hediondos fossem seus delitos. O período de prosperidade e paz de que o Reino de Avilhanas gozava refletia-se na insignificante estatística do número de encarcerados. Quando a Soberana 209H. H. Entringer Pereira RARA convocou o Duque de Contagem para acompanhá-la em sua excepcional e inopinada visita, percebeu que seu mais eficiente e competente vassalo empalidecera, aparentando-se intensamente perturbado e receoso. Prontamente, o inquiriu: — O que temes? Há algo nas enxovias que eu não possa conhecer ou ver? Fiel à verdade e honrado o suficiente para não falsear com a nobreza de seu caráter, o Duque de Contagem humildemente respondeu: — Senhora Soberana RARA, sou vosso fiel e leal vassalo, mas não me dê as costas, vossa benignidade, com o que sou sincero em revelar-vos: meu bondoso e honrado pai encontra-se entre os vossos desventurados prisioneiros. — Tens um motivo a mais para acompanhar-me. Vamos, sem demora! Pela primeira vez, desde a época em que foram sentenciados, os prisioneiros puderam olhar para a Rainha Alzira. Rei Albe, o Rico, firmara com força de lei a proibição de a rainha visitar condenados, para não a sujeitar a ouvir-lhes as infâmias ou testemunhar outras vilezas próprias dos criminosos. Pasmados, surpreendidos pela visita, prostraram-se em reverência diante da Soberana RARA, evitando erguer os olhos para fitá-la diretamente. Uníssono, exclamaram: — Bendita és tu, Soberana RARA! Tende misericórdia de nós! Abrindo o grande portão de ferro que os mantinha isolados e imersos naqueles úmidos compartimentos de pedras, o Duque de Contagem, de cabeça baixa, caminhou em direção ao seu pai e, numa reverência respeitosa, beijou-lhe a mão. Rainha Alzira comovida com a inusitada cena, perguntou ao Duque: — Diga-me, Senhor Duque, que crime cometeu vosso pai? — Senhora Soberana RARA, o Senhor Rei Albe, o Rico, o condenou ao calabouço por tempo indeterminado porque, no período em que estivestes ausente, recusou-se meu honrado pai a fazer o transporte de uma caixa de prata cheia de esmeraldas para vossa inimiga, a Marquesa de Sonça e... — Basta! Não é preciso que continues. Um homem igual ao vosso pai, que ao filho educou com tanta honra e galhardia, que defendeu com sua liberdade, quiçá a vida, parte da fortuna desta soberana e de seus filhos, está prisioneiro por infortúnio, não por ter cometido crime. Livrai-o, imediatamente! Os outros prisioneiros também se alegraram com a altivez da rainha e pediram: — Senhora Soberana RARA, perdão, clemência para nossas culpas... Rainha Alzira indagou-lhes um a um a duração de suas penitências. Quase todos ouviu, à exceção de um, que permanecia calado. À medida que o Duque de Contagem proclamava o prazo de cada sentença e a quantidade de tempo já expiado, caso a caso, a soberana reduzia o tempo de provação à metade, assim, libertando quase todos, pois muitos já haviam cumprido além da metade do tempo de suas condenações. Por fim, ao único condenado que permanecia quieto, a rainha indagou: — Quanto a ti, por que não rogas a teu favor? Não te sentes digno de minha indulgência? — Magnânima Senhora Soberana RARA, ao meu caso não há indulgência que baste. Estou condenado até a morte nesta tristonha prisão. Como havereis de reduzir minha penitência ao meio, se não podeis prever com exatidão quantos dias terei a viver? 210H. H. Entringer Pereira — Pois farei justiça a ti também. Sairás um dia livre e voltarás preso no outro. No dia de tua liberdade, trabalharás pelo dia que estarás preso, e assim enquanto viveres. O condenado Barroso ajoelhou-se diante da Rainha Alzira e aos prantos manifestou sua gratidão. Percebendo que se tratava de um homem de boa palavra, inquiriu-lhe sobre os malefícios que o levaram à prisão perpétua. — Senhora Soberana RARA, não me fez vosso marido injustiça de todo, mas tirando-me a liberdade, condenou também minha inocente mulher e filhos à indigência. Condenou-me por me acusarem os outros comerciantes por auferir lucro excessivo das coisas que comercializava com a morte das pessoas, embolsando grande riqueza provinda da desgraça inevitável aos vivos. — Tal não julgaria eu, pois não me parece assim equitativo: não há benefício próprio que a outrem não resulte em prejuízo. Lucra o lavrador, se aumenta o preço do trigo; lucra o construtor quando arruína a casa alheia; nenhum médico sobrevive sem que a saúde falte a tantos... Assim nos ensina a natureza: morre o cavalo em benefício do urubu. Preferes teu dia de liberdade ainda hoje ou amanhã? — Hoje. Agora mesmo, Senhora, porque amanhã... quem me garantirá que estarei vivo? Abriram-se todos os cárceres. Não houve mais prisioneiros em Avilhanas, enquanto durou o reinado da Soberana RARA.
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URUCUMACUÃ - H.H.ENTRINGER PEREIRA - LIVRO 2 CAPITULO 53
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A MULA SEM CABEÇA Todos os archotes e as tochas dos corredores e das escadarias do Palácio das Esmeraldas foram apagadas. Além da guarda noturna, nada mais se movimentava em volta do edifício que não fossem pássaros ou insetos. Embora a lua cheia estivesse radiante, o céu, aos poucos, cumulava nuvens espessas, e as rarefeitas estrelas iam vagarosamente se ocultando. Súbito, uma ventania indomável parecia invadir os pátios, passando com fúria pelos corredores externos, dobrando os arbustos que respondiam à ação do vendaval, com assovios semelhantes a pungentes gemidos compridos e clamorosos. Encostada nas almofadas, à cabeceira de sua cama, Rainha Alzira ainda não havia dormido. Algo a inquietava além do aviso da tempestade próxima. Atraída pelo ruído do vento na cobertura dos seus aposentos, chegou à janela, cuja vista permitia vislumbrar qualquer movimentação além do portal de entrada. Uma sombra negra se movimentava rápido, como se fosse um grande animal solto que, por descuido dos tratadores, havia fugido dos estábulos. Focalizando melhor sua visão no vulto distante, um temor inesperado abalou seu coração. A menina Alba Esmeralda começou a chorar muito alto, ao mesmo tempo em que um grande burburinho, misturado ao zurrar dos cavalos e das mulas estabuladas despertou, fazendo levantar-se a maioria dos palacianos, para saber o que se passava. A guarda anunciou com o toque dos sinos que havia intrusos nas imediações, e um corre-corre inevitável da guarda logo cerrou fileiras, colocando-se em posição de alerta para defender o palácio de qualquer eventualidade. Agasalhada, com um lume aceso às mãos, a rainha buscou o apoio da Senhora Babá, para que cuidasse da criança que não parava de chorar, e continuou até o final do grande corredor, para saber se o Mago Natu estava desperto. Ao tocar à porta de seus aposentos, ele mesmo a atendeu, enquanto seus quatro cavaleiros saíram, colocando-se ao dispor da rainha para proceder uma ligeira ronda e notificá-la sobre o que acontecia. Mago Natu falou em voz baixa ao seu ouvido, tranquilizando-a: — Não se assuste. É o fantasma da Mula Tá. Veio visitar sua criança. Pegue imediatamente o sabre do Senhor Dugo com que a decapitaram. É o único instrumento capaz de afugentá-la. — Se o Senhor for ao encontro dela, quero ir também – solicitou Rainha Alzira. — Acompanhe-me, então. Mas cuide-se para que o fantasma não se aproxime de ti. Poderá feri-la ou até mesmo matá-la. — Proteja-me, então, Mago Natu. — Enquanto eu estiver por aqui, estarás segura. Avisaremos aos sentinelas para que não façam qualquer tipo de ataque ao vulto – disse Mago Natu, já abrindo o portal para se direcionar às baias, de onde vinham gritos dos tropeiros, relinchos e zurrados. A ventania se acalmara. Mago Natu, com o sabre do Senhor Dugo na mão esquerda e sua espada Kalibur na mão direita, guarnecia a rainha que, ainda amedrontada, queria ver a visagem mais de perto. Inesperadamente, uma grande tocha 207H. H. Entringer Pereira flamejante, irradiando um clarão vermelho-alaranjado, movimentava-se suspensa na altura da cabeça de um animal, permitindo ver atrás de si o vulto da besta que lhe seguia, como se estivesse ainda viva. Era daquela forma que a Mula Sem Cabeça começava sua sequência assustadora de aparições. Mago Natu, num ímpeto, apontou para a fantasmagórica aparição o sabre do Senhor Dugo, ordenando-lhe: — Vade retro, Mula Sem Cabeça! O que procuras morreu com teu rei. Cada cabeça, uma sentença... F.G.H.I.J.L. F.uja G.alopando H.etera I.lusão J.á L.iquidada! Com o mago brandindo sua espada e o sabre cruzados à frente da miragem assustadora, ouviram-se estrondos como o estalido de muitas chicotadas, e a incandescente tocha flutuante esvaneceu-se, desintegrando no ar a silhueta do fantasmagórico animal. — Desta feita, estamos livres. Porém acautele-se. É sujeito que ela ainda apareça nas noites de lua cheia, todas as vezes que a Sacerdotisa das Sombras se utilizar daquele mesmo bridão com que fez o encantamento em alguma outra de suas façanhas – advertiu Mago Natu. — Devo mandar que busquem o bridão para destruí-lo? — Jamais. O que está feito, está feito. Voltemos ao nosso repouso. Rainha Alzira e o Mago Natu acalmaram os palacianos, contando-lhes que era apenas um animal, que fugitivo das estrebarias se assustou e aos demais com objetos que havia atropelado ... Uns acreditaram e voltaram a dormir, despreocupados. Outros viram a fantasmagórica imagem e sabiam que se tratava de algo sobrenatural. Logo a ventania também passara e uma chuva copiosa abençoou aquela noite com o frescor de uma madrugada calma e promissora. Não tardou a anunciar-se a aurora. Os serviçais do palácio já se movimentavam nos seus postos de trabalho, uma coluna de fumaça logo se erguia do pavilhão da cozinha, e a rotina no Palácio das Esmeraldas parecia a de sempre. Na cama com a mãe, o Príncipe Calico acordou, sentou-se e perguntou: — Cadê meu pai? — Já te falei ontem, teu pai escorregou no galho de uma árvore, ficou pendurado pelo pé e morreu. De agora em diante, só tens mãe. Teu pai nunca mais voltará para casa... Nunca mais! Bateram à porta dos aposentos da rainha. Era a Senhora Babá que vinha com a ama de leite para amamentar a menina Alba Esmeralda, para auxiliar a Rainha a vestir-se e arrumar o Príncipe Calico.
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A Natureza em toda sua diversidade é isso. Resiliência e Resistência! Coloco o Vetiver (Chrysopogon zizanioides), como protagonista, para configurar a minha tomada de decisão, em relação ao meu interesse pela vida não urbana. Quando idealizei o Projeto Regenerativo OCA Terravila Glocal - Ocupação CoCriativa ArtFloresta - Inicio de 2021, trouxe comigo anseios e frustrações, de minha imersão em uma Ecovila que mudaria minha vida 180° graus. Eu já era um ponto fora da curva. Com a chegada do COVID-19, a coisa avolumou de tal forma, que eu não cabia mais nos antigos lugares. Um hiato - Viver no cerrado, com experiências bem diferentes, estava sendo mais que um desafio. Outro hiato - O Vetiver me mostrou com muita propriedade o que é ser resiliente. Das raízes às ramagens, do visível ao impercebível - Eu fico com Sagrado, depois de o profano não me abandonar nem mesmo na velhice. Para meu consolo, se não molesta a mãe, nem deseja o mau para outrem, o profano não existe. Como não registrar essa possibilidade de melhorar a terra desgastada? <<"PS" - Se entre nós, tiver alguém disposto a fazer uma imersão no cerrado, numa proposta experimental, em Mato Grosso, às margens do Lago do Manso, em Chapada dos Guimarães, entre em contato com Brazzdyvinnuh 65 98170-9882(WhatsApp)
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA - LIVRO 2 -CAP. 52
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A MALDIÇÃO DA FEITICEIRA Nos dias anteriores à fase da lua cheia, Rainha Alzira conclamou o Feitor, Senhor Dugo, e arquitetou seu plano audacioso e derradeiro: — Preciso ver pra crer – disse, irresoluta, Rainha Alzira. – Ainda que me custe a própria vida... Prepare-se, não deixando ninguém, nem sua mulher, saber que sairás comigo na próxima noite de lua cheia. Também farei o mesmo. Deixarei Calico dois dias antes na casa da ama de leite, sob o pretexto de desmamá-lo. Deveremos nos encontrar bem antes da meia-noite no entroncamento da estrada que desce para o Vale Apertado. Tu sairás sob o pretexto de caçar. Eu não preciso justificar ao rei minha ausência porque ele nem perceberá, desde que esteja de volta antes dele. Na calada da noite da lua cheia, Rainha Alzira compactuara com o Senhor Dugo, o Feitor, que sairiam juntos, pois que também precisava ver de que maneira acontecia, lá na clareira da Figueira-do-inferno, o encantamento da Mula Tá na mulher extraordinária. O Senhor Dugo, por todos os meios, tentou convencê-la a não cometer tal imprudência. Não deveria sujeitar-se a testemunhar aquela visão misteriosa, perturbadora, imprópria a olhos tão pudicos e virtuosos. Julgava que, quando visse o Rei Albe, o Rico, entregue àquela devassidão, àquelas práticas imorais e libertinas, a Rainha certamente não suportaria. Era demais para uma senhora de tão alta honradez e pudicícia. Desconsiderando toda a argumentação usada para demovê-la da ideia de ir ao local do encantamento, Rainha Alzira mandou que o Senhor Dugo lhe arreasse um outro zaino ágil e discreto, de galope bem cômodo, para que ninguém notasse a ausência nas baias de sua favorita e contumaz montaria. Ao tempo e local combinados, haveriam de se encontrar. Escolhendo um ponto de observação seguro, Rainha Alzira se acomodou entre as ramagens de uma moita de sororocas, que lhe permitiram visão direta na extensão da área sombreada pelos galhos da encorpada figueira-do-inferno. Por sua vez, o Senhor Dugo postou-se mais à esquerda, distante suficiente para atendê-la e perceber seus comandos, caso solicitado. Deixaram as montarias numa pastagem próxima, estrategicamente preparadas para utilizá-las rapidamente, conforme necessário. A lua cheia já ia alta no céu. Quebravam o silêncio que parecia morar naquele santuário natural de pedras, areia e vegetação esparsa, os trinados dos grilos e o coaxar de sapos, numa espécie de monótona e soturna sinfonia de uma nota só. Um ruído rasteiro por entre as folhas secas chamou atenção da rainha. Certificou-se de que em sua volta nenhum animal peçonhento poderia se ocultar. Por entre as ramagens que permitiam o clarão da lua se projetar no solo arenoso e quase limpo, observou uma enorme cascavel serpenteando em sua direção. Imediatamente postou-se imóvel, fixando o olhar nos movimentos sinuosos da serpente. Tirou lenta e vagarosamente de seu alforje um punhal de prata que sempre trazia, e aguardou a aproximação do perigoso réptil. À distância de uma braça, a serpente colocou-se em posição de ataque, 195H. H. Entringer Pereira enrodilhando-se. Rainha Alzira sentiu um calafrio lhe gelar os ossos, puxou seu manto fechando-o ao colo e conteve a respiração para desacelerar os batimentos cardíacos. Próximo de seus pés, havia um galho seco no formato de forquilha rasa. Tomou-o e o mais rápido que pode, imprensou a cabeça da cobra entre a bifurcação do galho, afundando-o com a cabeça do venenoso réptil espremida de encontro ao solo, impossibilitado de projetar o bote. Com o punhal de prata seguro, firme pelo cabo incrustado de pedras verdes, cravou-o num golpe certeiro no meio da cabeça da cobra. Debatendo-se, a serpente agitou uma nuvem de areia e poeira, arrefecendo-se aos poucos, estertorando-se numa derradeira convulsão. Surpresa com o seu próprio desempenho e a facilidade para eliminar a cascavel sem desesperar-se diante do perigo iminente, Rainha Alzira por breves instantes se esqueceu de que estava naquele local, àquela hora, esperando confirmar as informações de seu vassalo sobre os resultados da magia que transformava a Mula Tá numa fascinante mulher, que satisfazia os caprichos depravados e a lassidão do Rei Albe, o Rico. Sem se dar conta, chamou seu criado: — Vem cá. Venha ver, Dugo! De pronto o Senhor Dugo deslocou-se sorrateiramente de seu esconderijo, indo até o local onde a rainha se encolhia quieta, ao lado de uma grande serpente estirada, cujas escamas negras reluziam à luz prateada do luar. Quando se movimentou na intenção de livrar a rainha da presença daquele réptil sacrificado como tributo à sua curiosidade e astúcia, ouviram um tropel se aproximando. A Rainha Alzira, percebendo o perigo que corriam caso quebrassem o silêncio reinante no local, ordenou em voz baixa: — Fique e ponha a cobra aí mesmo. Não há mais tempo para voltares. O coração da Rainha Alzira disparou só de passar pelo pensamento a possibilidade de o marido logo, logo mergulhar em devaneios fantasiosos, entregando-se à paixão sensual, tendo como parceira não uma mulher real, de carne e osso, mas um ser produzido pelos encantamentos das mandrágoras, criatura resultante da feitiçaria manipulada pelos poderes ocultos da Sacerdotisa das Sombras que ela, a Rainha Alzira, sabia ser impossível de desfazer. Só haveria um jeito de acabar com o encantamento: cortar a cabeça da Mula Tá. Ao acolher tal pensamento, Rainha Alzira viu o Rei Albe, o Rico, chegar, apeando-se da Mula Tá. Amarrou o animal ao tronco da figueira-do-inferno, soltou a barrigueira, tirou os arreios, desatou as fivelas da cabeçada, livrando-a das rédeas e do cabresto. Juntou todos aqueles acessórios sob o tronco da árvore e iniciou ritual correspondente com seus pertences e indumentárias. Desvencilhou-se da espada – uma Kalibur presenteada pelo seu irmão, Rei Pay, confeccionada na mesma época que a do sobrinho, Rei Médium – fincando-a no tronco da figueira, descalçando-se por derradeiro. De sua bruaca, tirou uma grande manta da Pérsia, estendendo-a sobre o chão, bem no centro da clareira onde a luz da lua iluminava diretamente, sem interferência de sombras. Por último, sacou da mesma bolsa uma rédea de fios de ouro trançados. A mesma que a Rainha Alzira percebera guardar no grande baú de prata uma vez, ao chegar em plena madrugada. O coração de Alzira batia tão forte e disparado, suas mãos estavam geladas e uma tremedeira arrefeceu-lhe os joelhos. Ela sentia que iria desmaiar, quando um 196H. H. Entringer Pereira estridente piado de Urutau cortou o silêncio funesto da clareira. Naquele instante, o Rei Albe, o Rico, completamente nu, atirou o bridão sobre o pescoço da Mula Tá, sem pronunciar qualquer palavra. Num piscar de olhos, estava enlaçado pelo bridão a encantadora mulher de compridos cabelos negros, olhos verdes e fascinantemente bela. Senhor Dugo, percebendo que Rainha Alzira parecia fora dos sentidos, apreciando calada, com os olhos fitos no chão sob a figueira, em cuja escabrosa sombra dois corpos dançavam num ritmo compassado, ora um por cima ora outro, estendeu sua capa próxima de onde a serpente jazia com o punhal ainda traspassado à cabeça ensanguentada. Acomodou a Rainha Alzira sobre ela, fitando-lhe o belo rosto, sentindo o perfume do seu harmonioso corpo maduro. Enlevado pelo prazer que sentia ao apreciar de tão perto os movimentos encenados naquele palco, onde a natureza permitia o desenrolar do jogo amoroso sem censura, sem reprovações, livre de qualquer reticência moral, tomou-se de incontrolável anseio de também envolvê-la, não obstante mantivesse por ela, até então, respeitoso desejo armazenado secretamente. Rainha Alzira, despertando, sentou-se rapidamente, recobrando a consciência do que acontecia ao seu redor e, sem que Senhor Dugo pronunciasse qualquer palavra, acomodou-se em seus braços, sentindo-se prontamente acolhida e protegida. Nunca havia reparado nos seus membros musculosos, no tórax rijo e espadaúdo, seu corpo forte, bem constituído e nos seus modos gentis. Por sua vez, Senhor Dugo, relutante em manifestar seu ardente desejo, temendo não ser correspondido pelos sentimentos da Rainha, esperou. Não tardou que ela mesma se livrasse de todas as suas roupas, entregando-se nua, sem objeções, sem bloqueios, sem lembranças dos mesmos traumas que a impediam tanto tempo de doar-se ao marido, nas incontáveis e angustiosas noites em que ele a desejara. Também os dois espectadores envolvidos pela encenação lasciva do Rei Albe com a mulher encantada estavam irremediavelmente atingidos pelo feitiço da besteira. As sombras projetadas pela luz do luar na copa da figueira-do-inferno começavam a atingir os dois amantes sobre a manta de lã colorida. A Rainha Alzira e o Senhor Dugo já não enxergavam tão nitidamente os contornos dos dois corpos. Súbito, ouviram o galo cantar. Quando olharam em redor, percebendo-se também nus e abraçados, a rainha removeu o punhal fincado na cabeça da serpente ao seu lado, colocou-o no peito do Senhor Dugo e ordenou-lhe seriamente: — Vá e mate a mula. Corte-lhe a cabeça. Depois aproveite que o rei está desarmado, xeque e mate-o! — Não posso matar meu rei, Senhora. — Mate-o ou ele te matará! A escolha é tua. Senhor Dugo, vacilante quanto à ordem da rainha, mas ainda sob eflúvios hipnotizantes da paixão que o enfeitiçara, cativo da euforia própria dos enamorados, com sua adaga de prata na mão esquerda e o pesado sabre de ferro à direita, sorrateiro, desferiu um golpe de força e precisão combinadas, decepando a cabeça da Mula Tá. O esguicho do sangue da besta atingiu-o no peito ainda nu, banhando-o daquele caldo viscoso e quente. Rei Albe, o Rico, surpreendido pelo efeito do ataque, ao ver Dugo reconheceu-o e, imediatamente, de espada em riste, iniciou encarniçado 197H. H. Entringer Pereira combate, cujo desfecho não deixou testemunhas, além do soturno Urutau e o clarão da lua cheia. O corpo da Mula Tá tombara exangue, e sua cabeça fora atirada distante pela brutalidade do sabre do Senhor Dugo. Diante da cena, Rainha Alzira mantinha-se estupefata como observadora, dominada e dividida entre o ódio do marido, prisioneiro de um feitiço, e o arrependimento de haver se entregado ao feitor. Já decidida a retirar-se daquele aterrorizante cenário antes que o Rei Albe, o Rico, a percebesse, colocando fim ao sentimento de culpa pela sua participação naquela tragédia e se antevendo do final que se desenhava, não conseguia recompor-se rapidamente. Ao sair do esconderijo sem que o rei reparasse, olhou ainda outra vez para certificar-se de que realmente a miragem da mulher encantada esvanecera-se por completo e o corpo do animal que estertorava no solo, em meio a uma grande poça de sangue, era mesmo o da Mula Tá. Horrorizada diante daquela visão macabra, chamou-lhe a atenção algo ainda mais aterrador: a barriga da besta não parava de mexer, como se o animal, mesmo decapitado, mantivesse a respiração ofegante e seu ventre recusasse a morte. A Rainha então esqueceu-se de que também poderia ser atingida pelo furioso tilintar das espadas que se atritavam, numa batalha que certamente resultaria em mortes, travada entre Rei Albe, o Rico, e o Senhor Dugo. Obstinada, querendo saber que mistério se abrigava nas profundezas do ventre da Mula Tá, apertou nas mãos seu punhal de prata e, habilmente, rasgou de um lado ao outro, a barriga estremecente do animal, arrancando-lhe das entranhas, uma criatura viva: uma bela e inexplicável criança, que ao corte do cordão umbilical, chorou como qualquer humano recém-nascido. Estarrecida, surpresa, desesperada, mas emocionada pelo inusitado e fantástico surgimento, Rainha Alzira envolveu rapidamente a indefesa criatura nas abas de seu rico manto. Deixando de imediato o local, alcançou sua montaria, deixada amarrada logo atrás, e regressou ao Palácio das Esmeraldas o mais rápido que pode, montada no zaino Ventania, com a menina recém-nascida nos braços, envolta e escondida como um grande pacote, sob suas vestes. Como ninguém lhe notara a ausência, tampouco notificaram a chegada. Subiu pelas escadarias secretas até seus aposentos. Diligentemente, cuidou da recém-nascida, envolveu-a em panos velhos, deitando-a numa cesta de cipó forrada de palhas secas. Cautelosamente, esgueirando-se pelos corredores mal iluminados e desertos, desceu até uma das entradas dos fundos do palácio, aninhando a cesta ao rés do portal, onde um sentinela displicentemente cochilava sobre um carroção de feno encostado à muralha. Tão silenciosamente quanto chegou, Rainha Alzira retornou aos seus aposentos. Da janela da galeria onde pintava seus quadros, podia ver a silhueta da pequena cesta com a criança dormindo, desenhada sob os pálidos resquícios da lua que declinava. Logo, logo, a aurora chamaria a atenção do restante da guarda. Rainha Alzira já se preparava para receber a notória surpresa do achado, como se fosse fruto do abandono de alguma mãe desnaturada que, na impossibilidade de criar o filho, ou 198H. H. Entringer Pereira livrá-lo da miséria e de outras desgraças, legara-o à Casa Real, onde haveria de ser criado com dignidade e conforto, ainda que fosse para prestar serviços. Com o coração constrangido de dor, prevendo o desfecho do embate que não pôde presenciar até o final, Rainha Alzira sabia que um dos dois, o marido ou o seu fiel criado e cúmplice, tombariam pela espada. Àquela hora, um deles estaria morto, certamente. Ou, quem sabe, os dois? Imaginando a dimensão do infortúnio que haveria de suportar, Rainha Alzira não conseguia dormir. O dia anunciava sua luz dourada, quando ela ouviu o distante choramingo faminto da criança recém-nascida. Assim que chegou à janela, presenciou um movimento diferente de criados e guardas em volta da cesta com algo. Do alto de sua janela, perguntou aos criados: — O que se passa? Por que não cuidam de seus afazeres? — Senhora Rainha, encontramos uma criança viva, abandonada dentro desta cesta! – responderam mostrando-lhe o objeto de cipó com os panos envolvendo o bebê. — Levem-no ao quarto de Calico. Já estou indo lá. Rainha Alzira mandou que buscassem a Senhora Babá, que logo a acompanhou até os aposentos do Príncipe Naldo, há dois dias separado da mãe, sob o pretexto de desmamar-se. Assim que fitou o rosto da recém-nascida sob a luz clara do dia, Rainha Alzira tomou-se de forte emoção: era a criatura mais encantadora que já vira. Tirou-lhe aqueles panos que, propositadamente havia pegado entre os pedaços de tecidos velhos, para que não pairassem dúvidas de que se tratava da filha de pobres camponeses, e mandou que buscassem uma de suas cozinheiras, que também estava amamentando. Pediu-lhe que fizesse a caridade de alimentar aquela criaturinha, pois se não estivesse a desmamar o próprio filho, não recusaria seu sagrado leite materno à desvalida e angelical criatura. Passadas as primeiras horas de surpresa e acolhimento ao novo habitante do Palácio das Esmeraldas, a Senhora Babá, que também se afeiçoara à recém-nascida, chamou a Rainha Alzira e disse-lhe em tom de segredo: — Senhora Rainha, meu marido saiu à caça ontem à noite e até agora não voltou. E o vosso rei, ainda está dormindo? Rainha Alzira sentiu um frio gélido percorrer seu sangue. Seu coração bateu descompassado. Respirou fundo, tentou manter a calma e disse com tom de preocupação: — Meu rei também não chegou ainda, Senhora Babá. Vejo que tanto meu marido quanto o teu estão a nos causar o mesmo tipo de inquietação... — Tenho um mau pressentimento, Senhora Rainha – contrapôs a ama do Príncipe Calico, mulher do Senhor Dugo. – Sonhei que um grande animal negro, sem cabeça, soltando labaredas de fogo pelo pescoço, atacava o meu marido, devorando-lhe a cabeça... um sonho medonho. Estou atemorizada pela visão que tive. — Não se perturbe, Senhora Babá. Também me sobressaltou uma visão parecida. Mas não acredito nesse tipo de fantasias. Não tardará seu marido e o meu voltarem! Temos agora mais uma criança para cuidar... olhe, que interessante! Ela não tem os dedinhos dos pés! Por este defeito decerto que foi rejeitada pelos pais. Mais uma boa razão para que cuidemos dela com carinho – concluiu a Rainha, externando seu sentimento de piedade maternal, ao mesmo tempo em que arregimentava a guarda 199H. H. Entringer Pereira palaciana, ordenando-lhe que saísse pelas cercanias de Avilhanas a investigar se alguma camponesa dera à luz recentemente, descobrindo os prováveis pais, ou pelo menos, a mãe daquela criaturinha. Rainha Alzira solicitou ainda à Senhora Babá que trouxesse seu filho, o pequeno Calico, de volta ao palácio. Já passara tempo suficiente para que o menino se esquecesse de mamar no peito. Sozinha em seus aposentos, Rainha Alzira não conseguia se livrar das cenas que repassava na memória – imagens impressionantes da noite anterior se fixaram como pesadelos. Pior, no entanto, porque ela tinha certeza de que não sonhara. A fim de esquecer tudo o que vivenciara, refugiou-se na galeria de quadros e continuou a pintura do personagem O Louco. Aguardava a volta dos seus guardas, que logo trariam as notícias que ela já supunha: por mais que buscassem, não descobririam os pais da criança deixada nos portões do palácio, mas, por certo, haveriam de encontrar o Rei Albe, o Rico, e o Senhor Dugo mortos, ou um morto e o outro gravemente ferido, junto ao cadáver da Mula Tá decapitado e dilacerado. Como não poderia compartilhar com ninguém o que presenciara, tampouco como procedera, decidiu ainda que, caso houvesse alguma testemunha sobrevivente ao tétrico episódio, necessariamente haveria de ser eliminada. O segredo da origem da criança retirada das entranhas da mula, depois de decapitada, jamais seria revelado. Pensou consigo: “segredo a três, só matando dois”. Absorta em angustiantes pensamentos, planejando astuciosamente suas próximas ações, no sentido de se livrar de uma só empreitada do sobrevivente da clareira do Bosque do Iludido, mesmo que fosse o próprio marido, Rainha Alzira decidiu que também iria junto com os guardas à procura do marido, que desde a noite anterior se ausentara para cavalgar e ainda não regressara. Pediu ao guardião das estrebarias que encilhasse o zaino Ventania: desejava cavalgar pelos arredores em busca do Rei Albe, o Rico. Momentos antes de montar seu cavalo, dois dos quatro emissários que haviam partido em busca da mãe da criança abandonada nos portões do Palácio aproximaram-se velozmente, estancando suas cavalgaduras e apeando tão rapidamente que, ao vê-los, Rainha Alzira preveniu-se para suportar a notícia que já aguardava: — Senhora Rainha, nem sei como vos dizer. Prepare-se para saber da pior notícia que podemos vos dar. Rainha Alzira fingiu que não estava ligando os fatos do aparecimento da criança à morte do Senhor Dugo ou do próprio rei e antecipou-se: — Já posso adivinhar. Não conseguiram encontrar a mãe da criança que abandonaram no Palácio... — Não, Senhora Rainha – disse um dos emissários. – Trata-se de algo terrivelmente trágico. É melhor que a senhora mesma nos acompanhe para ver, antes que anoiteça. Encontramos vosso marido num forcado da galha de uma figueira, pendurado pelo pé, e o Senhor Dugo morto, faltando-lhe a cabeça, junto à Mula Tá com a barriga rasgada de um lado a outro, também sem a cabeça. Algo medonho. Coisa de arrepiar. 200H. H. Entringer Pereira Sentindo-se desfalecer impactada pela notícia, a Rainha, amparada pelos seus criados, logo que recobrou os sentidos, prontificou-se a acompanhá-los até o local onde já previa o que a esperava. Sem fazer perguntas, nem procurando saber detalhes que lhe denunciassem conhecer de antemão alguma coisa do que pudesse encontrar, ou levantassem suspeitas de que ela própria houvesse concorrido com o desfecho daquela horrenda tragédia, conduziu-se até a clareira, como se desconhecesse ou ignorasse completamente as veredas que levavam ao Vale do Apertado. Ao se deparar com o trágico cenário, num misto de horror e curiosidade, Rainha Alzira interpretou exatamente o que havia sucedido: examinou o cadáver pendurado pelo pé, com marcas de múltiplos ferimentos pelo corpo nu, o bridão de fios de ouro amarrado à forquilha do galho da figueira-do-inferno, de onde pendia o corpo inerte e escandalosamente despido do Rei Albe, o Rico. Ao lado do animal decapitado, o corpo do Senhor Dugo, semivestido, reconhecido de imediato pelo anel de esmeralda que usava no dedo mínimo da mão esquerda, gravado com seu apelido, posto que seu verdadeiro nome de família apenas o Rei Albe, o Rico, conhecia, desde que o adotara enquanto criança e nunca a ninguém revelara. As cabeças do Senhor Dugo e da Mula Tá, não se avistavam pelos arredores, nem tampouco o sabre, que certamente teria provocado os ferimentos no Rei Albe, o Rico, enquanto esgrimia com seu valente e portentoso rival. Para todos os questionamentos formulados pela guarda palaciana, desde as incontáveis e cruéis hipóteses, até as prováveis razões que teriam levado o rei e seu feitor à sangrenta e sinistra peleja, determinantes da tamanha e imponderável tragédia, Rainha Alzira já encontrara respostas. Mantinha-se, no entanto, no mais absoluto silêncio, porque a única resposta que ela buscava, o rei havia levado para o silêncio perpétuo. Quebrando sua mudez, ordenou: — Guardas, cavem aqui. Parece-me que esta terra foi revolvida! Imediatamente, os serviçais iniciaram a retirada de uma terra solta, arenosa, que parecia ter sido remexida há menos de um dia. Quanto mais cavavam, mais facilidade encontravam, abrindo em poucos minutos uma cova com a profundidade de alguns palmos, quando um dos guardas proclamou: — Achei um objeto metálico. Parece a arma do Senhor Dugo – disse, limpando a terra da lâmina do sabre ainda manchado de sangue e, admirado, acrescentou: — Tem um nome, aqui, gravado na lâmina... Leu em voz alta, com um pouco de dificuldade: — Adul Thero. Humm, acho que era esse o nome verdadeiro do Senhor Dugo! Ao ouvir aquele nome, Rainha Alzira sentiu um inexplicável mal-estar, sua visão escureceu, sobreveio-lhe ânsia de vômito. Lembrou-se imediatamente da maldição que a Feiticeira Zuzu lhe impusera, e num átimo lhe passaram pela lembrança os fugazes momentos de volúpia intensamente vividos nos braços do Senhor Dugo, que agora faziam sentido: Adul Thero era o seu nome verdadeiro. Contendo sua respiração ofegante, pensou consigo: “Será que estou grávida? Este deve ser o fruto de Adul Thero que a Sacerdotisa das Sombras vaticinou!”. Quando concluiu o pensamento, um dos guardas anunciou: — Aqui estão. Encontrei as cabeças da Mula Tá e do Senhor Dugo. 201H. H. Entringer Pereira Sem se aproximar da cova onde jaziam as cabeças do feitor e da Mula Tá, Rainha Alzira dirigiu seu olhar para a árvore da figueira-do-inferno, onde a espada Kalibur do Rei Albe, o Rico, estava fincada no tronco. Era como o registro do último ato praticado por ele, antes de se precipitar no vazio, lançando-se com o pé esquerdo amarrado junto ao forcado do galho da figueira. Aproximando-se do tronco da árvore para retirá-la, Rainha Alzira observou uma inscrição insculpida recentemente na casca, produzida provavelmente com a ponta afiada de uma adaga. Julgou serem aquelas as últimas manifestações da vontade do rei ou algum código que desejou que fosse decifrado por quem o encontrasse. Leu em voz alta: “F.G.H.I.J.L.”, e abaixo desta sequência de letras, a frase “Cada cabeça, uma sentença”. Sem entender de imediato o significado daquele enigmático recado, sua memória trouxe à lembrança aquela mesma sequência de letras que o Louco lhe dissera quando se despediram no local conhecido como Estaca do Zero. Sem conseguir imaginar um significado que pudesse ligar os dois fatos tão diferentes e desconexos, forçou a retirada da espada Kalibur do Rei Albe, o Rico, do tronco da figueira, dirigindo-se aos guardas: — Pois que as cabeças continuem aí... neste mesmo buraco – disse a Rainha, determinada a sepultar naquele mesmo lugar todos os incômodos vestígios dos momentos de lascívia e dos tormentos que secretamente vivenciara ali. E continuou mandado: — Abram mais esta cova e sepultem nela também o corpo do Rei Albe, o Rico. Quanto aos corpos mutilados da Mula Tá e do Senhor Dugo, queimem-nos, até que se reduzam a cinzas. Como se procurasse algo inadvertidamente, a Rainha Alzira começou a andar a esmo pelos arredores, chegando ao local onde cravara seu punhal de prata na cabeça da peçonhenta serpente negra. Num jogo de faz de conta, como se de nada soubesse, emitiu grito assustado, chamando atenção dos guardas, que logo acorreram para livrá-la do perigo. — Vejam esta cobra horrível! Pensei que estivesse viva. Alguém que esteve antes por aqui a matou. Quem sabe o próprio Rei Albe, o Rico, ou o Senhor Dugo, talvez! Queimem-na com os corpos da mula e do feitor. Ao retirarem o corpo do Rei Albe, o Rico, pendurado de cabeça para baixo, laçado pelo pé, amarrado no forcado da galha da figueira-do-inferno, exatamente sobre o local onde jaziam sob o solo as cabeças e onde a Rainha Alzira determinara também sepultar o rei, ela pegou o bridão de fios de ouro, desfez o nó que atava o pé do marido suicida, ordenando ao seu criado: — Peguem-no e levem-no para longe daqui. Vá à casa da Feiticeira Zuzu, a Sacerdotisa das Sombras, entregue-lhe este objeto e diga apenas, sem outras explicações, que o Rei Albe, o Rico, mandou-lhe este presente, como pagamento pelos trabalhos prestados. Ordene-lhe, também em meu nome, que se mude, deixando o mais rápido que puder o Reino de Avilhanas. Quero-a fora destes domínios, sob pena de ser queimada viva. Preparando-se para deixar aquele cenário funesto, Rainha Alzira ouviu um tropel de cavalos se aproximando. Deu-se por conta, quando identificou entre os quatro cavaleiros visitantes o quinto elemento: Mago Natu. 202H. H. Entringer Pereira Parecia avisado da necessidade de sua presença naquele reinado, naquele dia, naquele lugar, àquela hora. Silenciosamente, os cavaleiros logo se prestaram a auxiliar os guardas da rainha a descerem o corpo do Rei Albe, o Rico, já envolto em suas majestosas vestes, até o fundo da sepultura. Mago Natu, após os cumprimentos e reverências de costume, procedeu um ritual de gestos, balbuciando algumas palavras. Fitou Rainha Alzira nos olhos e disse-lhe compungido: — Não poderia ser diferente. Cada cabeça, uma sentença! Ouvindo tais palavras, a Rainha Alzira entregou a espada Kalibur do Rei Albe, o Rico, nas mãos do Mago Natu, enquanto segurava, em sua mão esquerda, o sabre desenterrado junto às cabeças do feitor e da mula. Percebendo que o Mago Natu lhe interrogaria a respeito daquela arma, adiantou-se, chamando-o para que visse a inscrição e a frase que estavam gravadas no tronco da figueira, abaixo de onde retirou a espada do Rei Albe, o Rico: — Mago Natu, por favor, decifre esta inscrição. A frase eu já sei do que se trata... o Senhor mesmo a pronunciou ind’agora. — Sabes também o que significam estas letras. Vou dizer-vos e guardarás este segredo contigo: F.ilho G.erado H.oje, I.nfame J.az L.iquidado. Ao ouvir tais palavras, compreendeu imediatamente o significado. Apossou de si um medo angustiante, tão profundo que sentiu-se desfalecer. Mago Natu a amparou, confortando-a, e indagou-lhe para que voltasse à realidade: — É esta a arma de Adul Thero, ou do teu feitor, o Senhor Dugo? — Provavelmente – disse abrindo os olhos e recobrando os sentidos. – Tem este nome gravado na lâmina, eu mesma não sabia que seu nome verdadeiro era Adul Thero. — Guardai-a. Não a entregues a ninguém, nem mesmo a sua viúva, a Senhora Babá. Haverá apenas um homem que deverá usá-la: o próprio filho de Adul Thero. Somente vós devereis saber o que aconteceu entre tu e ele. Rainha Alzira não suportava o sentimento que lhe provocaram todas aquelas palavras, um nó lhe apertava a garganta; desatou a chorar copiosamente, enquanto o corpo do Rei Albe, o Rico, já desaparecia sob as porções de terra e areia. Mago Natu a acalentou: — É hora de te acalmares. Voltemos para casa. Deixe que meus cavaleiros terminem o trabalho. Amanhã, ao amanhecer, sereis sagrada Soberana e recebereis a espada do Rei Albe, para reinares sobre o Trono de Avilhanas. Também daremos nome à criança que acolhestes esta manhã em teu Palácio. Receberá o nome de Alba Esmeralda. — Como sabeis da criança? Quem lhe contou? Mago Natu esboçou um sorriso cúmplice, abraçou-a e segurou o loro do estribo para auxiliá-la a se montar. Agilmente, também se postou ereto e elegante como um jovem cavaleiro no seu corcel impecavelmente branco, dizendo aos seus quatro cavaleiros: — Concluam a cremação dos corpos, limpem o local e desfaçam todos os vestígios de sangue que ainda sobraram sobre as areais. Depois, voltem ao Palácio das Esmeraldas. Um dos cavaleiros limpando as areias voltou-se ao Mago Natu: 203H. H. Entringer Pereira — Mago Natu, encontrei uma pequena adaga de prata. Vão levá-la ou deveremos enterrá-la junto com o corpo do Rei Albe, o Rico? — De quem é a pequena adaga? – inquiriu o Mago à Rainha Alzira. – Era do vosso marido ou do vosso feitor? — Era do feitor – respondeu Rainha Alzira. — Então, leve-a e entregue-a à Senhora Babá. Montada no zaino Ventania, Rainha Alzira retornou com o Mago Natu, enquanto os quatro cavaleiros concluíam a cerimônia fúnebre ordenada pela Rainha e pelo Mago: depois que sepultaram o Rei Albe, o Rico, junto com as cabeças de Adul Thero e da Mula Tá, cremaram os corpos decapitados com a negra serpente numa fogueira acesa com lenha das árvores de Carvoeira, até que não restaram sequer vestígios de sua existência, além de uma cinza esbranquiçada que um vento impetuoso de final de tarde prestes a chover se incumbiu de espalhar. O Sol se despedia atrás de uma nuvem vermelho-escarlate, sanguíneo registro que o tempo fixou naquele crepúsculo aziago, anunciando não o final, mas o começo de outra herança ainda mais trágica — a semente de Adul Thero, o perverso filho que Rainha Alzira já trazia no ventre, ao qual daria à luz nove meses depois, escusando-se da infâmia de infidelidade, pois que ninguém suspeitaria de que o menino gerado naquela trágica noite fosse filho de outro pai que não o Rei Albe, o Rico — segredo que somente a Rainha Alzira e o Mago Natu guardaram dali por diante, por muitos e muitos anos. A volta da Rainha Alzira ao Palácio das Esmeraldas em companhia do Mago Natu foi cercada de grande curiosidade, com manifestações indiscretas de bisbilhotice entre os criados e o desejo de informar-se sobre os misteriosos acontecimentos que quebraram a rotina de toda a corte e seus vassalos. A mais aflita de todas as servas, a Senhora Babá, prostrou-se aos pés da Rainha Alzira em prantos, antes de perceber a presença notável do Mago Natu, e desabafou: — Senhora Rainha, por misericórdia, diga-me a verdade. Quem matou o Senhor Rei Albe, o Rico, foi o infame do meu marido? — Não, Senhora Babá. Console-se. O Rei é quem parece ter eliminado vosso marido. Acalme-se. Depois o Mago Natu lhes dirá o que precisam saber. – Retirando-se para os seus aposentos, pediu à Senhora Babá: — Por favor, leve Calico e a menina encontrada no portão do Palácio aos meus aposentos. Preciso ficar a sós com eles. Mago Natu, vossos aposentos são os de sempre, peça o que quiser aos criados. Se preferir, instale seus quatro cavaleiros próximos de vós, na mesma ala do Palácio. Ao cair da noite, cearemos juntos. – Subiu as escadarias que levavam ao piso superior, sem responder quaisquer dos questionamentos de seus vassalos. Antes de chegar aos seus aposentos, Rainha Alzira deteve-se no corredor, olhando a galeria de quadros onde estavam suas calic’aturas. Percebeu que faltavam poucas pinceladas para concluir o retrato do derradeiro personagem que desenhara. Pegou um pincel feito por ela mesma, de crina macia dos cavalos, e coloriu de vermelho-vivo o calçado do Louco. Pronto. O desenho estava pronto. 204H. H. Entringer Pereira Já não havia muita luz no grande corredor de pedras daquela ala do palácio, quando Rainha Alzira, prestes a entrar em sua alcova, ouviu o clarim do arauto real tocar a toda altura. — Quem será a esta hora? – admirou-se, indagando a si. Rainha Alzira foi até a janela para certificar-se de que visitante havia chegado, sem convite e sem prévio aviso, naquele dia trágico e àquela hora do entardecer. Teve uma grande surpresa, alegrando-se: era o Louco. Veio cumprir a visita que lhe prometera. “Que coincidência – pensou – bem no dia em que terminei de pintar sua figura... Parece até que o Louco e o Mago andam juntos... Preciso pintar o Mago Natu, desta feita.” Bateram à porta. Antes de abri-la, a Rainha ouviu os choramingos do Príncipe Calico. — Senhora Rainha, eis os infantes... Precisas de mim para algo? – quis saber a prestimosa ama. — Por favor, Senhora Babá, fique aqui comigo. Devo lhe contar tudo o que eu mesma vi e o que pude deduzir sobre o terrível acontecimento que enluta o reinado e nos privou dos maridos. Não me faça perguntas além do que lhe disser, porque também desconheço as razões que levaram o teu marido e o Rei a entrarem em combate. Quando cheguei ao Bosque do Iludido, deparei-me com o seguinte cenário... Após confortar a Senhora Babá, que chorava copiosamente, Rainha Alzira persuadiu-a de que não se sentisse culpada pela tragédia nem julgasse infame seu marido, porque até então não se conheciam os motivos que os levaram àquele lastimável infortúnio. Garantiu-lhe que teria todo o amparo necessário no Palácio das Esmeraldas e confidenciou-lhe, já preparando terreno para que a notícia de uma possível gravidez fosse recebida com naturalidade e tranquilidade: — Imagine, Senhora Babá, que na noite anterior, passados quase três anos, cedi aos apelos do Rei e consenti que dormíssemos juntos. Parece-me uma predestinação. Foi exatamente aquela a nossa última noite de amor. Custa-me entender por que Berico teria se matado. Já pensou se desta única e última vez eu tiver engravidado? A Senhora Babá, surpresa com aquele nível de confidência, não censurou a Rainha Alzira, comentando: — Tomara! Assim seja. Até que enfim Calico terá um irmão pra brincar e dividir toda essa fortuna. Com essa menina que apareceu, como mesmo haverá de se chamar? — Alba Esmeralda – respondeu Rainha Alzira, sem prestar atenção ao nome que falara. — Finalmente, teremos crianças brincando nestes jardins. Cuidarei do novo principezinho, ou nova princesinha, quem sabe? Como se fosse meu próprio filho. Tomara, Senhora Rainha, tomara! – Suspirou com alívio a Senhora Babá, já pressentindo que deveria deixar a rainha com as duas crianças. — Deixe-nos a sós, agora. Recepcione o visitante que chegou neste momento e o instale no quarto próximo da ala das Calic’aturas – pronunciou, sorrindo, enfatizando o novo nome que inventara para denominar suas pinturas. – Avise-o de que não me demoro a recebê-lo. 205H. H. Entringer Pereira Rainha Alzira, depois de conversar longamente com o Príncipe Calico, explicou-lhe em linguagem infantil toda a desventura ocorrida naqueles trágicos dois dias. O menino de três anos pouco se importava, por não compreender o infortúnio de sua orfandade, festejando a inusitada presença de uma bebezinha muito linda, de olhos verdes bem acesos, que sua mãe apresentou como sua irmãzinha de criação, convencendo-o facilmente a deixar de mamar. Logo, logo, as duas crianças adormeceram. Rainha Alzira acomodou-os em seu próprio leito, aprontou-se e desceu para o salão de jantar, onde os visitantes e os palacianos a aguardavam para a refeição da noite. Após o jantar, Rainha Alzira, um tanto estremecida pelo pavor que lhe provocara a insidiosa e inexplicável tragédia, solicitou ao Mago Natu que relatasse aos palacianos o que precisavam saber e lhes comunicasse sobre a cerimônia de sua sagração no alvorecer do dia seguinte. — Amanhã, ao nascer do Sol, na Sala do Trono deste Reino de Avilhanas, Rainha Alzira será sagrada Soberana Rainha Absoluta do Reinado de Avilhanas, Soberana RARA, a Senhora das Pedras Verdes. Boa noite a todos. Subiu imediatamente aos seus aposentos, deixando o grande salão de refeições imerso em confabulações e burburinhos, até quando o Louco pediu licença à Rainha Alzira para promover alguma diversão, justificando que aos momentos de tristeza devem suceder a alegria que pertence ao mundo dos vivos: — Rei morto, rei posto. Viva a rainha! Encorajou uma saudação seguida de entusiasmados aplausos, com apresentação de suas danças, trovas improvisadas, mímicas e malabarismos divertidos, parecendo a todos muito conveniente sua presença àquela hora, tão carente de distração e alegria. Rainha Alzira não demonstrava contentamento, além do pouco que lhe permitia a nobre recepção ao Mago Natu, seus quatro distintos e veneráveis cavaleiros e ao Louco. No íntimo, não lhe saíam da memória as letras F.G.H.I.J.L. — F.G.H.I.J.L. – disse o Louco, decodificando em seguida seu enigma, produzindo um alívio na Rainha Alzira: — F.ico G.rato H.ospedar I.nsignificante J.ucundo L.acaio! – curvou-se diante de Rainha Alzira, pronunciando a terrível e ambígua sequência de letras, dando-lhe desavisadamente outro significado, o que lhe modificou por completo o humor, fazendo-a descobrir que todos os enigmas da vida podem ser decifrados, no mínimo, de dois modos diferentes. — A.B.C.D.E. – respondeu ela, revelando também sua enigmática sequência, decodificando-a diversamente da que lhe dissera ao se despediram tempos passados – A.legria B.em C.abe D.e E.ncontrar-nos. Riram-se todos. O Mago Natu já não estava no salão. A rainha também se despediu, desejou uma boa-noite aos palacianos, a seus súditos e aos visitantes. Os quatro cavaleiros também a acompanharam até a ala do Palácio onde se instalariam próximos dos aposentos do Mago Natu. Os palacianos, pouco a pouco, buscaram igualmente suas acomodações, preparando-se para a solenidade anunciada ao raiar do dia seguinte.
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA - Livro 2 capítulo 51
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VISITA À FEITICEIRA Feiticeira Zureta, a Sacerdotisa das Sombras, recebeu atemorizada a Rainha Alzira, o Príncipe Calico e o casal de criados. Em princípio, pela lealdade que jurara ao Rei Albe, o Rico, de manter-se calada, ainda que tivesse motivos de sobra para odiá-lo e expelir toda a verdade, relutou em admitir ter ido ao Palácio das Esmeraldas às escondidas, a chamado do próprio rei. Impacientando-se com a reticência da Sacerdotisa das Sombras e da sua má vontade de colaborar, posto que respondia monossilabicamente às perguntas que formulava, num conhecido movimento de cabeça combinado anteriormente com o Senhor Dugo, Rainha Alzira autorizou que ele abruptamente a tomasse pelos pulsos, amarrasse ao mastro de sua choupana e lhe aplicasse uma sequência de golpes com a vara de gurungumba. Antes mesmo que desferisse o terceiro golpe, ela se rendeu, prometendo revelar tudo o que fizera junto com o Rei Albe, o Rico, inclusive detalhes. Rainha Alzira, aproveitando-se da vulnerabilidade da feiticeira, percebendo seus cabelos tosados à nuca, conseguiu arrancar-lhe exagerada confissão sobre as rituais práticas da baixa magia que protagonizara. A Sacerdotisa das Sombras, todavia, fuzilando de ódio também Rainha Alzira, admitiu-se despojada em grande parte dos poderes mágicos – pelo menos enquanto não lhe crescessem novamente os cabelos – para desfazer o encantamento e mais ainda porque ela mesma não alcançara o resultado final de seu trabalho, interrompido abruptamente pelo comportamento inadequado e pela insubordinação do rei. — Não preciso que desfaças encantamento algum, porque não aconteceu encantamento – dissimulou a rainha, procedendo com fingimento para encobrir da feiticeira seu amor-próprio ferido, face às espantosas constatações já descritas pelo Senhor Dugo, cujo segredo ela manteria sob qualquer hipótese, até que pudesse ela mesma ver para acreditar. — Então, por que me procurastes? – indagou a feiticeira, com desdém. – Queres tão somente que retire as pragas que roguei ao rufião do teu marido? Rainha Alzira não suportou a ofensa. Esbofeteou Feiticeira Zuzu, ordenando-lhe que deixasse o Reino de Avilhanas o mais breve possível. Que se mudasse para os domínios do Rei Mor, no Reino da Trindade, ou para o Reino do Caxixi, que era para onde deveria acorrer a ralé, aquela laia de gentinha. Por sua vez, a Feiticeira Zureta, ainda que imobilizada pelo Senhor Dugo, proferiu insolente palavrório, sentenciando e provocando a Rainha Alzira com a maldição de um vaticínio: — Conceberás de Adul Thero e um filho gerarás desta hedionda infâmia, antes mesmo de ver teu rei pendurado de cabeça pra baixo. O fruto de Adul Thero trará abominação e ruína ao teu reinado! Ao ouvir tais palavras, o coração do Senhor Dugo quase saltou pela boca. Um grande calafrio lhe percorreu o corpo, turvando sua visão. Perdendo de súbito o ânimo, afrouxou seus punhos, permitindo que a Sacerdotisa das Sombras escapasse por entre as mãos. 193H. H. Entringer Pereira — Ela não sabe o que está dizendo, Senhora Rainha – objetou o feitor. — Não sabe mesmo. Quem é esse Adul Thero? – inquiriu Rainha Alzira, surpresa. O Senhor Dugo não respondeu. Manteve-se calado e instantaneamente solicitou à Rainha: — Senhora Rainha, é bom que voltemos. Já ouvistes tudo que pretendias confessado pela feiticeira. Nada mais poderá lhe acrescentar, além de insultos. Quereis que lhe corte o pescoço? — Não, Senhor Dugo, morrer assim seria muito digno para uma feiticeira. Haverá de sucumbir a seus próprios feitiços, levada pela própria insânia – disse, voltando-se para a ama de seu filho: — Senhora Babá, traga-me Calico para mamar, antes de partirmos. É hora de voltarmos. Feiticeira Zureta virou as costas, soltou uma estridente e sonora gargalhada, levantou as saias, mostrando-lhes despudoradamente o traseiro nu. Rainha Alzira, o Senhor Dugo e a Senhora Babá pouco se importaram com a insultuosa provocação. Montaram seus fogosos alazões e partiram, deixando uma nuvem de poeira avermelhada acrescida à expedição de uma ordem de despejo a ser cumprida sem prazo determinado, mas com brevidade, pela atrevida feiticeira. Levavam apenas algumas respostas definitivas às dúvidas que Rainha Alzira suscitara sobre a infidelidade do marido e, no bojo da visita, uma maldição que não tardaria a se concretizar.
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O Mutirão de hoje, se estenderá até a conclusão da <<sala de monitoramento por imagem de satélite>>, a internet não me permitiu postar hoje. A OCA Terravila Glocal soma com outras iniciativas.
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA - LIVRO 2 CAP 50
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AS CARICATURAS Rainha Alzira sabia ler, escrever e fazer cálculos desde criança. Instruída pela Professora Plínia, além das poucas tarefas afeitas às princesas, tais como cantar, bordar, cozer e coser, aprendera ainda técnicas rudimentares de desenho, pintura e o modo de confeccionar suas próprias tinturas com pigmentos extraídos de flores e frutos. Numa tarde em que o Rei Albe, o Rico, reuniu seus peões para cortar as crinas das suas éguas de raça, além de tosar-lhes os longos rabichos, pediu que juntassem os fios mais compridos das caudas. Depois de fiá-los, estendendo-os sobre um cavaco de madeira leve, viu que a sonoridade das cordas tangidas mudava de conformidade com a quantidade e a espessura dos fios cardados e esticados. Utilizando-se de seis cordas, deu nome àquele rústico e primitivo instrumento cavaquinho e pôs-se a descobrir novos tons, que harmonizou compondo pequenos arranjos para acalentar o filho Calico. Divertia-se não menos elaborando retratos, ainda que toscos, dos parentes, ascendentes ou descendentes reais, dispondo-os pendurados lado a lado num corredor do Palácio das Esmeraldas. Visitar aquela ala do palácio constituía-se prazeroso atrativo para os eventuais hóspedes; mais ainda quando identificavam, entre os figurantes ilustrados naquelas tonalidades muito alegres e coloridas, os próprios rostos estampados nas peças de tecidos de seda emoldurados em formato geométrico: os quadros. Às vezes, enquanto Rainha Alzira se dedicava à pintura, a Senhora Babá, ama do Príncipe Calico, interrompia suas atividades, trazendo o pequeno príncipe em prantos, querendo mamar. Rainha Alzira o pegava carinhosamente, secava suas lágrimas e, para distraí-lo, mostrava seus quadros, identificando-os em voz alta pelos nomes: — Olhe, Calico, este é o tio Pay, esta é a tia Olinda; aquela é tia Ara. Este é o primo do papai, Rei Arnaldo... Aquele é o Rei Ofin... aquela é Rainha Tarope... este é o Sol, esta é a Lua, as estrelas... O pequeno infante, aos berros, irritava-se cada vez mais com a sequência dos desenhos que sua mãe ia identificando. Até que a ama, a prestativa e bondosa Senhora Babá, mulher do Senhor Dugo, impacientando-se, ralhava respeitosamente com a Rainha Alzira: — Senhora Rainha, Calico atura seus quadros, mas não atura a fome. Dá logo de mamar ao menino! Rainha Alzira ria da favorável intercessão da Senhora Babá. Troçando com o filho ao colo, dava-lhe o peito, ironizando: — Calico atura... calic’atura! Ah, essas minhas calicaturas! Pintar o Louco para não esquecer sua imagem era para a Rainha Alzira a melhor diversão naqueles dias. Trabalhava na conclusão do desenho, quando ouviu batidas à porta. A tarde já dava lugar ao anoitecer, quando ela se deu conta de que estavam à hora da ceia e que a luminosidade era insuficiente para distinguir tonalidades umas das outras. Guardou seus materiais às caixas e atendeu ao chamado à porta: — Quem sois? — Senhora Rainha, o Senhor Rei manda vos avisar que não o esperes para a ceia. Sairá a cavalgar, retornando mais tarde – avisou-lhe o Senhor Dugo, o Feitor. 190H. H. Entringer Pereira Rainha Alzira dirigiu-se à janela e perguntou ao Feitor: — Senhor Dugo, parece-me que hoje é noite de lua cheia. Conforme já combinamos, vá imediatamente às baias, oculte-se entre as pilhas de feno e acompanhe todos os movimentos do Rei. Quando sair montado, certifique-se de que não foi visto e siga-o. Descubra qual é o segredo que o Rei está tentando encobrir. — Senhora Rainha, temo por minha vida. Se for descoberto, o Rei Albe, o Rico, certamente haverá de matar-me. Que garantia terei de que esta deslealdade não me custará o pescoço? — Dirás que foste cumprir ordem minha, saindo para colher grumixamas à luz do luar, pois que necessito de fazer um bom licor... Aproveite e traga-me as mais maduras que encontrar. Acordando de madrugada, quando já cantavam os galos, Rainha Alzira ouviu o Rei Albe, o Rico, adentrando seus aposentos, sorrateiramente, pé ante pé. Fingindo dormir profundamente, ela acompanhou-lhe os movimentos e viu quando tirou da bruaca um objeto reluzente semelhante a uma corda, guardando-o no fundo de um grande baú de prata. Depois, veio deitar-se. Sequer a tocou. Virou-se de lado e adormeceu em seguida, tão exausto parecia. Pensamentos disparatados povoaram a cabeça curiosa da rainha: — Será que Berico tem uma amante? Se tem, quem será? Ou foi simplesmente vigiar as esmeraldas que ocultou, para se certificar de que ninguém as furtou? Será que...? Mas logo adormeceu também, na certeza de que o mistério haveria de ser desvendado, assim que o Senhor Dugo viesse com notícias e, dependendo de quem fosse a amante, ela nem se importaria, desde que o Rei continuasse mantendo o caso no mais recôndito sigilo. Só não estava disposta a tolerar a infidelidade, se a eleita fosse ninguém menos que a ambiciosa, voluptuosa e peituda Marquesa de Sonça, uma arquirrival que havia tentado algumas vezes envenená-la, para depois possivelmente seduzir seu marido e apoderar-se de suas preciosas esmeraldas. Não, não haveria de ser a Marquesa de Sonça. Além do que Berico tinha especial inclinação por mulheres mais maduras, e a jovem marquesa aparentava no máximo vinte anos. Concluído o retrato que Rainha Alzira fez do Louco e que, à parte sua modéstia, parecera-lhe bem fiel à fisionomia, decidiu-se por pintar o sobrinho-neto, Príncipe Médium, e o Príncipe Calico juntos, registrando os meses em que conviveram durante uma visita à Rainha Olinda e ao Rei Pay, quando os dois eram muito pequenos. Ao rabiscar as primeiras linhas sobre a peça de seda, tocaram à porta. O coração da Rainha inquietou-se, sentiu um calafrio percorrendo lhe o corpo. Respirou fundo e conteve-se, pensando consigo: “Calma, Alzira. Chegou a hora da verdade!”. — Entre, Senhor Dugo! Senhora Rainha – disse, fazendo reverência –, trago-lhe uma notícia tão excepcional e extravagante que certamente não me acreditareis. — Posso adivinhar... Berico tem mesmo uma amante?! — Tem, Senhora, mas não fazeis ideia de quem seja. — Não me diga que é a Marquesa de Sonça? — Não, é alguém que não imaginas... 191H. H. Entringer Pereira — Quem? Anda logo, quem é a mulher? — Não é uma mulher... quero dizer... É uma mulher e não é uma mulher! — Como assim? Estás divagando? — Não, Senhora. A amante do Rei é a Mula Tá. — Você disse mula? — Não propriamente a mula. A mula que se encanta numa mulher muito bela. Tomada de indizível surpresa, por alguns momentos sentiu que teria uma vertigem. Não conseguia imaginar seu leal criado mentindo, nem seu marido seduzido por uma ilusão da feitiçaria. Imediatamente, lembrou-se de que tudo poderia ser resultado da visita da Feiticeira Zuzu ao Palácio das Esmeraldas. — Senhor Dugo, iremos amanhã bem cedo à casa da Sacerdotisa das Sombras. Quero que aprontes minha montaria e a da tua mulher, pois terei de levar Calico. Ninguém mais deverá saber onde iremos. Providencie também uma boa vara de gurungumba. Zureta terá que me contar tudo o que sabe e até o que não sabe a respeito desse encantamento... Ah, é o feitiço com as mandrágoras, tenho certeza!
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Oficina de Sistema de Informação Geográfica (SIG) –
27/03/2025 — 27/03/2025
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A OCA Terravila Glocal tem a honra de informar, que vem aí a primeira Oficina de Sistema de Informação Geográfica (SIG) – Brigada Voluntária PA Quilombo 📅 Data: 01 e 02 de abril de 2025 📍 Local: Residência do Amorim - Comunidade PA Quilombo, Chapada dos Guimarães/MT 📌 Endereço: Rua Quilombo, Lote 36 - Zona Rural, Sítio Real Verde – CEP 78195-000 🛰 A comunidade está convidada a participar da Oficina de Sistema de Informações Geográficas (SIG), um componente do projeto Rede Floresta. Por meio do mapeamento participativo, monitoramento comunitário e vigilância remota, a oficina oferecerá treinamento teórico-prático para capacitar os participantes no uso de imagens de satélite e ferramentas SIG. 🌱 Junte-se a nós e aprenda como utilizar tecnologias para proteger nossas florestas, prevenir incêndios e promover o uso sustentável do solo e dos recursos naturais! 📌 Evento gratuito. Inscrições através do link: https://www.sympla.com.br/evento/oficina-de-sistema-de-informacao-georreferenciada-sig-brigada-voluntaria-gleba-quilombo/2879319?referrer=statics.teams.cdn.office.net&share_id=whatsapp
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ReRe conVERSA inLOCO c/ OCA TERRAVILA GLOCAL
30/11/2024 — 30/11/2024
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O Projeto OCA Terravila Glocal está recebendo a visita de Vinicius Braz e Vania Trindade, para falar da web3 e suas vantagens para a Agricultura Familiar. Os visitantes estarão dando uma prévia do que vem ser a CARAVANA 2025, pelos interiores mais distintos do Brasil
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OCA::ReRe CONversa IN LOCO no LAGO DO MANSO - MT
15/11/2024 — 15/11/2024
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OCA::ReRe CONversa IN LOCO no LAGO DO MANSO - Chapada dos Guimarães-MT No dia 06 de dezembro de 2024, o Projeto OCA TERRAVILA GLOCAL recebe a presença de Vinicius Braz e Vânia Trindade (Rio de Janeiro-RJ) em sua sede (PA Quilombo/Lago do Manso), para dialogar com a comunidade, sobre a importância da web3 nas comunidades mais remotas e que utilizam os métodos tradicionais em seus cultivos na agricultura familiar.
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