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OCA TERRAVILA GLOCAL - Ocupação Cocriativa ArtFloresta

Sitio Bom Jesus - Rua Quilombo LT 56 - PA Quilombo - Lago do Manso - Chapada dos Guimarães-MT Brasil
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Categorias
Associação, Centro Cultural, DAO
Actividades
Acomodação, Agrofloresta, Aromáticas, Compostagem, Frutas, Grãos, Medicinais, Mudas, Orgânico, PANCs, Permacultura, Pesquisa, Preservação, Reciclagem, Sementes Crioulas, Voluntariado
Fone: +5569999556403
Facebook: brazdyvinnuh
Twitter: @Brazdv
Sobre
OCA - Terravila Glocal             "Alegria, fruto da Liberdade c/ Confiança!" OCUPAÇÃO COCRIATIVA ARTFLORESTA >>Manter um Polo Produtivo utilizando o conceito Agroecológico e da permacultura. Horta c/ alimentos convencionais; cultivo de ervas aromáticas, medicinais, fitoterápicas e PANCs-(Plantas Alimentícias não Convencionais); meliponicultura; manejo extrativista; canteiro de mudas de espécies nativas e/ou  ornamentais para reflorestamento local; Artfloresta (Arte como ferramenta pedagógica); turismo rural; resgate cultural; artesanato e artes em geral. >>Criar um ambiente de convivência e experimentação laboral que dialogue com liberdade a respeito de planejamento consciente e inteligente de geração de riquezas para a sustentação do Polo, com vistas para a regeneração do homem, a fim de dar visibilidade à regeneração do ambiente integral; onde o bem comum (terra, água, ar, fauna e flora) esteja além da geração de conteúdos que estimule a troca de saberes. >>TEATRO CIRCULAR REGENERATIVISTA URUCUMACUÃ - será uma edificação para marcar a presença da OCA OCUPAÇÃO COCRIATIVA ARTFLORESTA neste ambiente como inspiração ao Grande Público (Local e visitante). >>Longe do estereótipo de ações com viés de “cuidados ambientais”, o projeto recebe colaboradores para alavancar esse processo imediato, onde é oferecida hospedagem e alimentação para participação no projeto pelo período acordado entre o interessado e o projeto. O candidato oferece 4(quaro) horas de mão-de-obra diárias por semana, com dois dias de folga.  O tempo restante os colaboradores são incentivados a produzirem para conquista de seus retornos fiduciários. >>Esse sistema de “Terravila” Glocal é um conceito que vem dando certo, por oferecer aos experimentadores a liberdade de produzir o seu próprio sustento. Sem ter um mandatário centralizador. Os modelos comuns existentes, deixam um hiato que não pode ser preenchido. A proposta apresentada é de acesso e não de posse. Os colaboradores podem ser transitórios , temporários e "permanentes" pois é fato a transitoriedade da vida.  Com o processo em andamento para os trabalhos, vem ficando mais clara a proposta de uma “rede de ocupação produtiva e não de um grupo. >>A proposta “Terravila” Glocal existe em três dimensões, LOCAL, com os  colaboradores que a partir do pertencimento, se tornam moradores, por sua vez, locais; VIVENCIAIS são os colaboradores que fazem uma imersão local, por um período de tempo; GLOCAIS são os colaboradores que conhecem a proposta e participam de qualquer lugar do mundo, inclusive localmente. >>Nesta “Terravila” Glocal OCA os trabalhos de infraestrutura estão sendo inicializados. Os colaboradores dessa primeira fase terão a oportunidade de  conhecer de perto o mecanismo de se criar recursos para gerir uma ocupação que vai além da moradia e da propriedade para o plantio, onde se busca a regeneração do ser humano para que ele compreenda e se torne regenerador de sua própria natureza. Em uma rede que vem se espalhando pelo mundo, agregando pessoas que se identificam, principalmente deixando clara a importância da Alegria, Liberdade e da Confiança. Juntos somos mais fortes sem perdermos nossa pessoalidade.  § - O Projeto OCA terravila Glocal - Ocupação Cocriativa Artfloresta está sendo reconfigurado quanto ao formato das atividades locais, para deixar fluir com mais vigor tudo que vier para fortalecer nossa Ocupação. NOVA FASE. <<O que faria a equipe do Projeto OCA TERRAVILA GLOCAL, estar na plataforma?>> època de chuva - Forestando <<<A PRÓXIMA ETAPA É VIABILIZAR RECURSOS PARA FAZER CAPTAÇÃO DE ÁGUA POR GRAVIDADE PARA IRRIGAÇÃO DE BERÇÁRIO DE PLANTAS>>> <<<A OUTRA AÇÃO PARA MELHORIAS É A IMPANTAÇÃO DO BERÇÁRIO DE PLANTAS +++ PARA ATENDER AO VIVEIRO DE MUDAS>>> Confirmada a proposta de multiplicação do VETIVER para substituição do capim Brachiara, em toda pastagem do sitio Marcada a iniciação da poda do VETIVER - na próxima 4a feira dia 29 de janeiro de 2025 O Projeto OCA Terravila Glocal, firma parceria com a Associação do PA Quilombo, no Lago do Manso para desenvolvimento de novas propostas. Tendência a se tornar o carro chefe das ações da OCA para suprir o campo. ***210 mudas de vetiver replantadas e o Campo de Vetiver Regenerativo começa a crescer. Será dada continuidade ao projeto do Campo em junho, quando as matrizes completam um(1) ano. Hoje 245 mudas de vetiver. O Campo terá inicialmente 10 linhas com 100 mudas. Trabalho prazeroso. Em breve nova demanda será apresentada para o deleite de todos que defendem a regeneração. O planejamento para breve é de 500 mudas de Vetiver, até o final do ano. No máximo inicio do ano que vêm. Terra pronta para começar a Agroflorest(inh)a. Importante registrar que está florestando a OCA LAB 2 - Exatamente onde surgiu a presente Ocupação. Brevemente mais notícias. Viva! A OCA - Ocupação CoCriativa artFLORESTA tem um tempo, que está parceira da Associação do PA Quilombo, no Lago do Manso - Chapada dos Guimarães-MT, mas só agora me ocorreu de tornar isso público. Vacilei, mas vamos aos poucos corrigindo esses lapsos. Como o planejado, estou trabalhando, para dedicar meu tempo ao cultivo de espécies menos comuns. Como forma de incentivar a agricultura familiar a ter uma diversidade maior de cultivares.
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA LIVRO 3 CAPITULO 70
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A VIAGEM DO PRÍNCIPE Havia uma década que o Palácio Fortaleza não se engalanava daquele jeito. A criadagem movimentava-se com inexplicável alegria. Preparar-se para a visita do Grande Rei, depois de tantos anos, trazia vigor, promessas de evocação dos tempos áureos, quando a prosperidade e a boa fortuna andavam de parelha espargindo felicidade a toda cidadela do Elo Dourado. Príncipe Urucumacuã e o irmão Kurokuru esperavam ávidos por aquela visita. Quando souberam das inovações que a comitiva do Grande Rei sempre trazia em suas três fabulosas naus, dos exóticos e luxuosos presentes originários de reinados distantes, dos novos instrumentos musicais e das invenções inusitadas capazes de transformar a rotina do Elo Dourado, alimentaram a esperança de que o benfazejo e sábio visitante lhes ensinasse novas ciências e habilidades, além de aprender se expressar em idiomas diferentes. Príncipe Kurokuru não demonstrava o mesmo interesse que o irmão pela aprendizagem de novidades instrumentais: bastavam para ele lições de botânica aliadas ao conhecimento de ervas raras para confecção de chás e infusões capazes de curar enfermidades ainda não relacionadas nos livros de cata-logo. Além do Grande Rei, era aguardada com alarido a volta da Rainha Alimpa, personagem marcante, de traços fisionômicos fortes e exóticos, que deixara impressões inesquecíveis pela habilidade no trato da estética feminina, além de suas amalucadas invenções cosméticas que agradaram em cheio rainhas e princesas. Que traria ela desta vez? Perguntavam, curiosas, as damas de companhia das rainhas e as criadas das senhoras de prestígio. Rei Médium e Rainha Gônia haviam mandado, com alguma antecedência, mensageiros aos reinados vizinhos para convidar seus soberanos ao Elo Dourado para prestigiar a visita da nobilíssima Corte. Cuidando de restringir os convites, entretanto, excluíram do rol o soberano do Reino de Trindade, Rei Mor e seus cortesãos, por dois motivos: não desejavam a presença do Bruxo Neno e do próprio Rei Mor no território do Elo Dourado. O primeiro, pelas atitudes insanas, quando utilizou largamente seus conhecimentos de magia e encantamentos, deixando um rastro irreversível de confusão e sofrimento; além disso, recaíam sobre ele suspeitas de furtar não só as mandrágoras do Mago Natu, como as misteriosas caixas de metais e os estilhaços do Espelho Universal, desaparecendo sorrateiro, sem se despedir. O segundo porque promovera a circulação de rumores de que andava planejando invadir com seu exército de Caçadores de Cornos as terras deixadas pelo falecido Barão de Corumbi, cujos limites confrontavam-se tanto com as terras do Império do Elo Dourado, quanto do Reinado de Avilhanas e de Trindade. O Barão de Corumbi, falecido há pouco tempo, era dono de uma grande extensão de terras agricultáveis, de excelente qualidade, encravadas na divisa entre os três maiores reinados: Elo Dourado, Avilhanas e Trindade. Anualmente, o barão arava e plantava as fecundas sementes que o Grande Rei outrora lhe presenteara, trazidas das terras longínquas do Baixo Nilo, no Egito, ao tempo de sua primeira viagem àquela região, quando o pai do Rei Médium, Rei Pay, ainda era vivo e o Imperador Médium era solteiro. Ao entregar as sementes, o Grande Rei disse ao barão: 282 H. H. Entringer Pereira — Cultivai estas sementes em vossas terras, Corumbi! Plante, pois, algo dão! Já viúvo, Barão de Corumbi dedicou-se com afinco ao plantio das sementes, colhendo safras e mais safras do algo dão, fornecendo para todos os reinados vizinhos matéria-prima à feitura de tecidos e outras serventias. Prosperou e enriqueceu rapidamente, porém se manteve pelo resto de seus dias em celibatária viuvez, tributada ao extremo devotamento à memória de sua fiel e adorável esposa, a quem dedicou incondicional amor pelo curto espaço de tempo em que estiveram casados. A morte de sua jovem companheira, grávida de poucos meses, num acidente de cavalo, causou-lhe tanta dor e tão incurável sofrimento que até o dia de sua própria morte, quase quarenta anos depois, na sepultura da esposa ainda havia flores frescas trazidas por ele, na visita do dia anterior. Diariamente, o Barão de Corumbi cumpria religioso e estranho ritual: arava mais e mais terras para o cultivo dos algo dão e, ao pôr do sol, antes de escurecer, dirigia-se ao cemitério, onde permanecia por alguns minutos em monótono solilóquio, sentado sobre a lápide do túmulo da mulher. Suspeitavam de sua sanidade mental, mas nenhum outro comportamento extravagante se somava a este, além do hábito rotineiro do trabalho, comandando com generosidade e bondade a dezenas de servos e empregados. A notícia da morte súbita do barão abalou sobremaneira o Rei Médium e açodou no Rei Mor a ganância pela posse das terras que Corumbi ara. Rei Médium esperava entrar em negociações com o Rei Mor, propondo que repartissem toda a propriedade entre os leais servidores do barão, dividindo-a em parcelas de iguais tamanhos, por entender que era essa a única medida de justiça, dado ao fato de que ele não havia deixado herdeiros, nem possuía parentes conhecidos. A ambição do Rei Mor impedia que aceitasse a proposta do Rei Médium para concretizar o acordo. Mais de uma vez, os andarilhos de Trindade chegaram ao Palácio Fortaleza com rumores de que o Rei Mor se preparava para invadir as terras e se apoderar de tudo pela força, porquanto suas forjas funcionavam incessantemente na produção de lanças, espadas e outros instrumentos bélicos. A visita do Grande Rei, em tão boa ocasião, traria certamente a solução para selar acordo sobre a tempestiva questão e colocar ponto final nos inquietantes rumores. Pela disposição do Rei Médium de orientar-se primeiramente com o Grande Rei, para depois enviar emissários ao reino de Trindade com novas propostas capazes de satisfazer a ambos, desatendeu aos conselhos do Mago Natu, mantendo suspenso o convite aos vizinhos do Reino de Trindade para as festividades do insigne visitante. Tal atitude, no entanto, chegou ao conhecimento do Rei Mor e contribuiu para incitar ainda mais rivalidade ao desafeto e atiçar o ódio do Bruxo Neno ao Mago Natu. Rei Médium também não se esquecera de que na última vez em que seus cavaleiros foram a Trindade para os torneios na Hípica Tenusa, durante as festividades do casamento do Bruxo Neno com a bela serva Murmur, o desfecho da corrida deixou um saldo lastimável, convenientemente não elucidado: seus dois melhores animais de corrida, o cavalo Temperado e a égua Ventania, assim como a égua do Rei Boio, a Boa Bisca, tiveram os olhos perfurados e as patas quebradas, além do coudel Jóke, o tratador 283 H. H. Entringer Pereira dos cavalos estabulados, encontrado morto e sem ferimentos aparentes, mas com a língua enegrecida, sintomática de envenenamento por estramônio. — Temperado foi um inigualável vencedor – disse, como se precisasse refazer o episódio para que Mago Natu o compreendesse. – Há quem acredite que um dos motivos que contribuíram para intensificar a rivalidade do Rei Mor comigo reside no fato de ele ter apostado muito ouro e perdido tudo naquela corrida. A égua Tempestade derrotada não só por Temperado, mas também pela égua Boa Bisca, do Rei Kornio, era a favorita da criação do Rei Mor, até eu entrar nas corridas com o corcel Temperado e a égua Ventania. Tempestade foi uma boa corredora, mas naquela oportunidade, em meio à raia, Temperado levou de atropelada outros dez rivais e na transposição do disco, abriu 3 1/2 de vantagem sobre Tempestade. A égua Boa Bisca, do Rei Kornio, chegou em segundo, com desvantagem de 1 ¼. — Por que Temperado não correu mais depois daquela vez, meu pai? Surpreso com a pergunta, Rei Médium se deu conta de que o Príncipe Urucumacuã estava por perto, enquanto evocava lembranças para justificar sua decisão de não mandar convites ao Rei Mor e a seus vassalos para a temporada da visita do Grande Rei ao Elo Dourado. Entretanto, quem respondeu foi Mago Natu, pois aquele assunto já havia sido falado tanto a um quanto ao outro príncipe no período em que passaram reclusos no Santuário do Mago, na primeira fase de iniciação: — Porque no dia seguinte à corrida, Temperado estava cego, com um olho perfurado, as éguas Boa Bisca e Ventania com as patas dianteiras quebradas tiveram de ser sacrificadas e o coudel Jóque, que montara Tempestade, fora morto por envenenamento. — Rei Mor que mandou fazer aquelas maldades, Mago Natu? — Não podemos afirmar. Ninguém viu nada. A única pessoa que poderia ter visto estava morta. — Meu pai não se interessou por apurar a verdade? — Aconselhei-o a não fazer retaliações. Apenas lhe disse que não participasse mais das corridas na Hípica Tenusa, nem fosse ao Reinado de Trindade. — O Rei Kornio e outros também fizeram a mesma coisa – acrescentou o Imperador. – Por isso, até hoje, dos doze reinos que prestigiavam as corridas, somente três ou quatro, os de menor expressão, continuam atendendo aos convites do Rei Mor. — Eu sinto, Mago Natu, que um dia vou descobrir toda a verdade. — Verdade, Urucum, um dia! Os três saíram do salão, quando ouviram o tinir de uma sineta. Príncipe Urucumacuã avistou Professora Plínia ensinando algo à sua irmã. Gentilmente convidou-as para que fizessem juntos a refeição da tarde. Príncipe Kurokuru, que há algum tempo não participava das lições com a professora, sem demonstrar muito interesse por todas aquelas histórias, havia saído sob o pretexto de que precisava lavar-se antes de ir ao salão de refeições. Professora Plínia guardou seus preciosos manuscritos, com o zelo de sempre, dizendo: — Urucum, creio que amanhã conversaremos a respeito da festa de casamento do Conde Rasku, o tio da sua futura noiva, para que saibas como a senhorita Pan Thera, 284 H. H. Entringer Pereira a Marquesa de Sonça, transformou-se na fera encantada: aquela que vagueia nas florestas pelas noites de lua cheia, enfeitiçando os homens com sua beleza e ferocidade. — Professora Plínia, a tia Alzira já me contou algumas coisas. É ela mesma a Sonça Pintada, de olhar agateado, que deixa apaixonado o coração de quem olha em seus olhos? — Humm, vejo que já te interessastes... mas, cuidado! Além de sedutora, ela é extremamente feroz e vingativa. Um verdadeiro perigo, porque é traiçoeira. Creio que esta história só podereis conhecer depois que voltares da grande viagem. — Sim, bem sei. Além disso, a senhora também revelará como o menino Sacipe Ererê ficou invisível, depois de vencer a maior corrida Numpessó, quando eu e Kururu nascemos e ... Ao ouvir o chamado do irmão, Professora Plínia antecipou-se: — Sim, Urucum, saberás disto e muito mais... peça ao Mago Natu para vos contar o que aconteceu quando o Bruxo Neno se casou com a bela serva Murmur. Ele conhece a história completa. Vamos, penso que vossos pais estão nos aguardando para a ceia. No dia seguinte, enquanto Príncipe Kurokuru se preparava para sair com o pai à cata de mais folhas, para enriquecer as coleções de cata-logo, Príncipe Urucumacuã esperava pelo Mago Natu na sala de reuniões, para saber mais histórias do Bruxo Neno. Com muita objetividade, a descrição dos acontecimentos foi assim resumida:
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA LIVRO 3 CAPÍTULO 69
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A CASA DA TOLERÂNCIA Desagradava ao Rei Médium relembrar os sinistros episódios que, por alguns tempos, mergulharam a atmosfera do Império do Elo Dourado em nostalgia e pesar. Retomar lembranças da época em que a Casa da Tolerância abrigara as quatro princesas deserdadas e desprezadas, condenadas ao exílio e abandonadas pelas próprias famílias, consternava o Imperador e afligia profundamente Rainha Gônia. Ambos preferiam conversar amenidades, que não provocavam tanto desalento. Mas entendiam também que, como parte da história daquele reinado, tudo de ruim e de bom que se registrara durante o período das duas maiores festas já comemoradas deveria ser conhecido e apreciado indistintamente pelos membros da família real. Era bom também que se aproveitasse a oportunidade da visita da Rainha Alzira, antes que ela regressasse, dado ao tempo que ficavam sem notícias ou visitantes entre um e outro reinado. Pediram, assim, ao Mago Natu que prosseguisse com o assunto, cuidando que os príncipes não se assustassem, nem se escandalizassem, a despeito de sua pouca idade. Sem entrelaçar os episódios do sexto dia com os outros, Mago Natu contornou com maestria os aspectos obscenos dos fatos, deixando em segundo plano as intervenções sombrias, provocadas e evidenciadas pelo Bruxo Neno: — Ao fim do sétimo dia dos festejos, quando fizemos a conferência geral, os pais das princesas Zônia, Pir Anhá e Ariranhá decidiram que não voltariam aos seus reinados com as filhas. A Princesa Arraia já tinha sido abandonada pela mãe, Rainha Tapera, que preferiu retornar ao seu reinado sozinha, na qualidade de pobre viúva. Não restava ao Rei Médium outra opção senão acolher as quatro rejeitadas. Permaneceram, então, sob a responsabilidade do Imperador. A rotina deste reinado, então, modificou-se. As princesas ganharam cada uma um corcel branco, e para cumprir tarefas, passavam horas e horas cavalgando durante o dia. Auxiliavam os peões do Imperador na lida de juntar o rebanho de búfalos espalhado pelo menino Sacipe Ererê, no dia em que venceu a corrida Numpessó e desapareceu, continuando invisível, até quando não se sabe, galopando seu indomável corcel negro. — Mago Natu, quanto tempo as quatro princesas moraram na Casa da Tolerância? — Meu prezado Urucum, das quatro, a única que saiu da Casa da Tolerância para levar a vida igual a nós foi a Princesa Zônia. Rei Inci, que também ficara neste reinado, apaixonou-se por ela irremediavelmente. Ao declarar que amava Zônia, pediu ao Rei Médium licença para levá-la daquele local, indo com ela habitar as terras bem distantes daqui, nos altos montes e prados, propícios à criação de cavalos. Desejava ter muitos filhos, fundar um novo reinado a setentrião, depois da travessia do grande rio. Rei Médium abençoou a união dos dois, porque Rei Inci também não possuía outros herdeiros: seus dois filhos foram encantados; a Princesa Putha transformara-se na mãe d´água, a sereia Iara; o Príncipe Putho, no Botô ; a mulher, Rainha Régia, na flor Vitória-Régia; e o neto, filho da Putha, encarnou-se no peixe vermelho que tem esqueleto ósseo, o Pirarucu. Rei Médium presenteou o casal, então, com um dos melhores lotes de éguas puro-sangue, dois garanhões de alta linhagem, doando ao casal 279 H. H. Entringer Pereira os búfalos que a própria Princesa Zônia havia auxiliado a recuperar e ajuntar nos campos alagados do reinado. Supriu-lhes de considerável carregamento de ouro e pedras preciosas. Foi muito comovente a festa de casamento dos dois. Até hoje, ouve-se contar esta história, que se espalhou pelas terras longínquas. Sabemos notícias de que já possuem sete filhas, sendo três pares delas gêmeas, e que o Rei Inci, de fato, é tão devotado à esposa Zônia, que denominou toda a extensão de seu novo reinado Amazônia. — E as terras de seu antigo reinado, para quem ficaram? À pergunta do Príncipe Kurokuru, Mago Natu continuou contando: — Negociou, trocando-as por ouro e prata com o Imperador, vosso pai, para aumentar ainda mais a extensão do Império do Elo Dourado! — As outras três para onde foram? — Ah, essa também é uma história interessante. Quando as princesas Pir Anhá, Arraia e Ariranhá ficaram solitárias, depois que cumpriam suas cotidianas tarefas de campear o rebanho de búfalos do Imperador, para não se entregar à tristeza e ao desengano, realizavam festinhas com apresentação de músicas, danças e números teatrais, que elas lembravam do tempo em que moravam em seus palácios. Em pouco tempo, os rapazes solteiros do reinado iam às dúzias para a Casa da Tolerância, participar das comemorações das mera atrizes. Elas se divertiam e os moços também. Até que numa noite de lua cheia, próximo à meia-noite, quando as mera atrizes já se preparavam para fechar a casa, um jovem muito formoso, de roupa cor-de-rosa e um chapéu coco preto, adentrou o salão e causou um frenesi jamais visto no ambiente. As três moçoilas ficaram totalmente fascinadas pelo forasteiro. Sem mais dar atenção aos poucos frequentadores que restavam na casa, desvelaram-se em atenção ao desconhecido, que executava com maestria canções amorosas nunca ouvidas, dedilhando um instrumento desconhecido, dançando extraordinariamente bem. Não levou muito tempo, as beldades entregaram-se a ele sem restrições. Permitiram-se todos os tipos de libertinagem, escandalizando os jovens pudicos que ainda aguardavam receber de alguma delas um olhar mais afetuoso ou a honra de um número de dança. Desalentados pela falta de atenção, os moços contentaram-se em divertir-se com o espetáculo lascivo e voluptuoso que gratuitamente lhes foi oferecido. Até que, abruptamente, ao cantar do primeiro galo, o galanteador licencioso e luxuriante deixou-as sem se despedir e partiu veloz em direção ao rio, deixando para trás suas vestes cor-de-rosa e seu chapeuzinho preto! — Sim, Mago Natu, mas as princesas... — Ah, as princesas! Pois bem. Saíram alucinadas, em completo desvario, perseguindo como caçador à caça o cavalheiro galanteador. O guapo mancebo esquivara-se para evitar o frenético assédio das moçoilas e atirou-se nas águas do rio Aguaporé, desparecendo de suas vistas. Inconsoladas, jogaram-se também atrás dele, na esperança de capturar o príncipe encantado. Atraídas pelo jovem enfeitiçado, Arraia e Pir Anhá nunca mais voltaram à terra firme. Continuam vivendo n’água, contaminadas pelo enfeitiçamento com as minhas mandrágoras, furtadas pelo Bruxo Neno e usadas indevidamente em poções e pós na noite do grande baile. Princesa Ariranhá também se transformou num ser meio aquático, meio terrestre. Vive um pouco na água e um pouco 280 H. H. Entringer Pereira fora, passeando pelas barrancas, onde se alimenta devorando peixes pequenos. O Botô, por sua vez, continua habitando com elas no rio. Quando em vez, dependendo das conjunções astrais, nas noites de plenilúnio, quando o perfume das flores de primavera enche os campos de aromas sutis, Botô sai da água, volta ao seu formato de gente por algumas horas e vem até as barrancas, onde beiradeiros e pescadores costumam fazer festas. Algumas moças ainda se encantam com ele. Não raro, as desavisadas desaparecem para sempre nas águas do rio, na tentativa de segui-lo. Despertado o interesse da Rainha Alzira em saber como o Bruxo Neno se envolvera em todos aqueles episódios depois que furtou as mandrágoras, perguntou ao Mago Natu: — O Senhor acredita que, antes da Feiticeira Zureta morrer, ela contou ao Bruxo Neno de quem ele era filho? — Certamente que não. Se ela tivesse feito isso, ele a teria matado logo em seguida. Não suportaria saber que tanto a mãe quanto a avó ocultaram esse segredo por tanto tempo. Bruxo Neno é filho legítimo do Rei Barbo, irmão gêmeo do Rei Mor, por isso tão semelhantes fisicamente! O que é pior: o herdeiro legítimo do trono de Trindade é o Bruxo Neno, porque foi o que nasceu primeiro! Todavia, o Rei Barbo só concordou em assumir e criar o segundo dos filhos, porque aparentemente era mais saudável e graúdo, abandonando o outro com a mãe, a Feiticeira Zureta, sob pena de morte se ela ou a avó, Bruxa Bizarra, revelassem que haviam nascido dois meninos. Nem mesmo o Rei Mor sabe que é filho da Feiticeira Zuzu, neto da Bruxa Bizarra, que fez o parto e levou pessoalmente o bebê ao palácio de Trindade para ser “adotado” pelo Rei Barbo. Nem Bruxo Neno sabe que é filho de Barbo... Um não conheceu o nome de sua mãe porque, quando Rei Barbo engravidou a Feiticeira Zuzu, já estava viúvo, sua esposa morreu sem deixar herdeiros. O outro não conheceu o pai porque fora gerado num ritual de iniciação em magia sexual. Nesses casos, não se costuma investigar paternidade quando a neófita engravida. Resumindo, nem um, nem outro desconfia que são irmãos e gêmeos. — Ah, tenho certeza então de que nem Bruxo Neno nem Rei Mor jamais saberão disso – arrematou Rainha Alzira. — Tia Alzira, um dia alguém terá de contar para eles... – interveio Príncipe Kurokuru. — É. Tenho certeza de que vai sobrar para mim – concluiu Príncipe Urucumacuã. — Exatamente – confirmou Mago Natu – mas deixemos que o tempo cuide de tudo isto...
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA - LIVRO 3 CAP. 68
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A VOLTA DO SANTUÁRIO Desde que voltaram do Santuário do Mago, no primeiro período de sua iniciação nos mistérios e nas ciências naturais, letras e números, Príncipe Urucumacuã e Príncipe Kurokuru manifestavam diferentes formas de compreender fatos e acontecimentos. Um se dedicava com afinco e devoção às elevações espirituais, artísticas e ciências ocultas. Outro importava-se em aplicar métodos práticos na pesquisa de fórmulas com vegetais e receitas perfeitas para conhecer e curar os males do corpo. Mago Natu apreciava as aptidões individuais e gostava de passar grande parte de seu tempo alimentando de desafios a inteligência de ambos, para que desenvolvessem sempre mais seus dons inatos, talentos morais, intelectuais e espirituais. Surpreendiam, não raro, seus pais com lembranças de episódios passados em épocas de tenra idade, quando nem falavam, nem andavam, mas relatavam com detalhes ocorrências que poucos se davam conta ou recordavam, porque não estavam registradas nos manuscritos da Professora Plínia. Uma noite, depois de jantarem, Príncipe Urucumacuã aguardou sua vez de animar a conversa que se prolongara até a hora de dormir e perguntou ao pai: — Meu pai, tivestes notícia do que aconteceu ao Rei Inci, depois que se enamorou da Princesa Zônia e a pediu em casamento, tirando-a da Casa da Tolerância? Rei Médium olhou para o Mago Natu, como se dependesse de seu consentimento para responder à pergunta do filho. Mago Natu, esboçando um sorriso maroto, antecipou a resposta: — Essa parte não fui eu quem contou. Tampouco consta nos registros da Professora Plínia, que leram enquanto internos no Santuário. Todavia, tenho para mim que ele sabe exatamente tudo o que aconteceu. — O que te lembras a esse respeito, meu filho? Ou melhor, a pergunta deve ser outra: quem te falou a respeito disso? — Meu pai, gostaria que me falasse sobre a Casa da Tolerância, porque me vêm à memória recordações dos rostos das quatro damas que por lá permaneceram algum tempo. — Lembras-te dos nomes delas? — Penso que sim: Princesa Zônia, Princesa Arraia, Princesa Pir Anhá e Princesa Ariranhá. — Exatamente. As outras duas, Princesa Putha e Princesa Ti, se encantaram antes mesmo de ir para a Casa da Tolerância; e as princesas Arraia, Pir Anhá e Ariranhá também se encantaram tempos depois. A única delas que vive atualmente numa região muito distante deste reinado é a Princesa Zônia. Quando Rei Inci declarou amar Zônia, tirou-a daquele lugar e mudou-se com ela para muito longe. Dizem que estão criando cavalos e que têm seis filhas, todas muito valentes, excelentes cavalgadoras, belas como a mãe e bravas como o pai! — Ufa! – exclamou Kurokuru. – Acho que depois dessa vou dormir. Boa noite a todos. — Amanhã, então, continuaremos com a história – interveio Mago Natu, para que o Príncipe Kurokuru também pudesse apreciá-la.
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URUCUMACUÃ BY H.H.ENTRINGER PEREIRA LIVRO 3 CAP. 67
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AS BODAS DO BRUXO Às vésperas do casamento, Rei Mor ordenara que todo o Palácio de Trindade fosse ornamentado, nos moldes do que presenciara no casamento do Rei Médium e da Rainha Gônia, no Palácio Fortaleza, no Reino do Elo Dourado. Que não se poupassem trabalho, nem ouro, nem sedas, nem flores, nem os mais finos manjares para celebrar as bodas de sua mais bela serva e de seu mais recente e poderoso vassalo, o intrépido e enigmático Bruxo Neno. Embora a movimentação no palácio fosse intensa, não havia clima de alegria no ar. Os serviçais amigos de Murmur, notavam sua fisionomia tristonha, melancólica, como se a ela tivesse sido imposto um grande sacrifício ou anunciada uma eminente desgraça. Sua condição de serva não lhe permitia desacatar as ordens do rei, tampouco externar descontentamento, nem revelar que guardava em segredo o verdadeiro amor que nutria pelo jovem cuidador de cavalos, o coudel Jóque. Um moço bonito, educado e respeitoso, que a tratava com mimos e atenção nas raras vezes em que fortuitamente se encontravam. Jóque creditava à bela e bondosa Murmur ter escapado dos severos castigos que o Rei Mor aplicava aos criados negligentes, porque uma vez esquecera aberto o portão do cercado dos quadrados dos catetos e os animais invadiram o quadrado da Hípica Tenusa, ocasionando grande dano aos gramados, deixando-os em polvorosa. Murmur assumiu a culpa do incidente perante o rei e este, pela admirável beleza e lealdade da serva, absolveu-a da falta, mas não isentou de subjugá-la, ficando a seu talante escolher o homem com quem ela deveria se casar... ao cair da tarde, dois dias antes da realização do casamento, chegaram grandes comitivas de reis, rainhas, príncipes e princesas, além de muitos nobres convidados. Quase todos haviam participado, recentemente, do casamento do Rei Médium e da Rainha Gônia. À exceção de uns poucos que não puderam comparecer e daqueles que se transformaram, encantados em seres das águas pelas artimanhas do próprio Bruxo Neno, o Imperador, Rei Médium e a Imperatriz, Rainha Gônia, enviaram seus mensageiros com luxuosos e valiosos presentes, justificando suas ausências. Rainha Gônia e o Rei Médium passeavam, em temporada, pelo Reino da Madeira, onde aguardariam a chegada do Mago Natu para, então, retornarem ao Reino do Elo Dourado; e Rainha Gônia não se dispunha a viajar tão longas distâncias seguidamente. Ao abrir a mensagem selada com a marca do Império do Elo Dourado, Rei Mor disfarçou sua ira. Havia despendido grande fortuna para celebrar um casamento com pompa e circunstância, que em nada ficasse devendo ao casamento do seu eleito rival, Rei Médium, para mostrar que no Reino de Trindade também havia luxo e civilidade. Recepcionadas as comitivas, o Rei Mor ainda aguardava os derradeiros convidados que honrariam aquela Casa Real: Rei Naldo, do Reino de Avilhanas e seu belo irmão, o temível sedutor Conde Rasku. Já anoitecendo, movimento incomum nos portões do Palácio de Trindade fez com que o arauto real tocasse mais uma vez sua trombeta. O recepcionista do Palácio, Senhor Domo, acompanhou os recém-chegados à presença do Rei Mor. 274H. H. Entringer Pereira O primeiro a ser recebido, o Conde Rasku, com a noiva, a exuberante e fogosa Marquesa de Sonça e suas comitivas, também traziam mensagem do Reino de Avilhanas, muitos presentes e mais uma justificativa: o Reino de Avilhanas igualmente festejava o nascimento recente de seu herdeiro, o Príncipe Gesu Aldo. Desculpando-se pelo não comparecimento, Rei Naldo e sua Rainha Araci sequer mencionaram a indiferença da soberana RARA, Rainha Alzira, àquela pomposa celebração: na qualidade de avó do príncipe recém-nascido não convinha que se ausentasse do Palácio das Esmeraldas. Além do que, somente ela conhecia os esconjuros apropriados para afastar a fantasmagórica Mula Sem Cabeça, caso aparecesse para assustar a parturiente ou causar danos à criança. Não sairia do palácio até o dia em que fosse celebrada a consagração e registro do nome do príncipe infante, assim que o Mago Natu, que estava viajando para além-mar, regressasse. E ainda que não houvessem todas aquelas justificativas, por motivos pessoais, tais como sua figadal inimizade com a Feiticeira Zureta e antipatia incurável pelo Bruxo Neno, jamais se permitiria servir de alvo aos comentários jocosos de ambos ou da curiosidade irônica dos que atribuíam a ela o surgimento do aterrorizante fantasma da Mula Sem Cabeça. Conde Rasku explicou ainda que o Palácio das Esmeraldas passava por reformas, visando ao embelezamento para a próxima grandiosa comemoração – seu casamento, cuja data ele viria marcar e anunciar aos presentes naquela grande festividade, depois que combinasse com o celebrante, o Bruxo Neno, mesmo a contragosto de sua mãe, que não o abençoava pela escolha a nenhuma das duas coisas: nem a noiva e nem o celebrante do ritual. Rei Mor ouviu as escusas do Conde Rasku um pouco desgostoso porque, dentre os convidados, ainda que nobres e reis e rainhas e príncipes e princesas, era o comparecimento dos que não vieram, Rei Médium e Rei Naldo, que mais o deixaria lisonjeado pelo grande prestígio de que gozavam os dois mais importantes senhores daqueles esplendorosos reinados. Para dissimular a contrariedade, vangloriava-se junto aos pares de ter organizado empolgante corrida de cavalos; a melhor, jamais vista. Não perdia oportunidade também de encorajar os reis vizinhos a adotar o jus primae noctis, sua inusitada lei e recente distração: o direito de passar as primeiras horas da noite no leito de núpcias das donzelas que se casassem com seus súditos, enquanto estes, os legítimos maridos, obrigavam-se a escafeder-se para não serem passados a fio de espada, coisa que o divertia bastante. Rei Boio e Rei Kornio, os que mais se interessaram pela novidade, haviam perdido seus primogênitos e futuros herdeiros durante os festejos do casamento do Rei Médium quando, encantados pelas ações mágicas do Bruxo Neno, ficaram transformados em seres viventes nas águas: os peixes Surubim e Pintado. Rei Boio, o que mais se mostrou interessado em esmiuçar os procedimentos, parecia simpático à nova lei, inquiriu: — Quanto aos possíveis filhos, gerados nestas circunstâncias, como sabereis de sua verdadeira paternidade? — Se os maridos conseguirem se safar da espada dos Caçadores de Cornos, haverão de criá-los como legítimos. 275H. H. Entringer Pereira — Caso não tenham esta sorte, tal como sucedeu ao infeliz Chupinguaia, quem haverá de assumir a paternidade? O próprio rei? — Amigo Boio, trata-se de uma lei extravagante. Quem pode o mais, pode o menos. O rei não é obrigado a cumpri-la, se não quiser. Além do que, se a donzela não me interessar, nem satisfizer meus próprios caprichos, que o Bruxo Neno jamais ouça isto, revogo o dispositivo ao meu gosto. — Não é esta a questão, amigo Rei Mor. Quero saber sobre o direito de primogenitura... no vosso caso, por exemplo: não tens filhos ainda. Se a viúva de Chupinguaia, à época, houvesse engravidado, que farias com relação ao filho gerado dela? Poderia ser vosso sucessor, caso vossa rainha não vos desse um herdeiro legítimo? — Hum, bem... Sabes que não pensei a esse respeito! — E, suponhamos, se desta vez vossa bela serva Murmur engravidar, como sabereis de quem é o filho ou filha? Tanto pode ser vosso, quanto do Bruxo Neno, concordas? — Rei Boio, não me agradam suposições. Se até hoje ainda não fiz um filho, não será desta única vez, ainda que logo se concretize o vaticínio da Feiticeira Zuzu. Rei Kornio ainda não havia se imiscuído no assunto. Apenas prestava atenção às indagações do amigo, Rei Boio. Confuso quanto aos efeitos práticos daquele costume recém-implantado no Reinado de Trindade, Rei Kornio pensava contrário à adoção em seus domínios. Se a lei de Trindade fosse adotada em outros reinados, em pouco mais de quinze anos haveria combates, intrigas e até guerras entre os pretendentes aos tronos. — Eu não teria tantas certezas. A primeira parte da vossa lei parece razoável... Mas as consequências podem fazer com que se criem nos reinados problemas que ainda não existem. — Estás a se esquecer de que Rei Naldo fez um filho antes de se casar com Araci e nem por isso o bastardo terá direito ao trono de Avilhanas? — Sim, mas neste caso o menino Mulato sabe de quem é filho e, quando nasceu, seu pai, Calico, ainda não era rei. — Deveras, Rei Boio. Problemas de outros reinados também não nos interessam, concordas? Quero apenas cumprir uma lei que neste Reinado de Trindade estará em vigor, enquanto eu quiser. Que tal irmos andando até a Hípica Tenusa para encontrar com o Conde Rasku e o Bruxo Neno? — Uma pergunta mais, Rei Mor: como foi o “acerto” que fizestes com Bruxo Neno para deixar o Elo Dourado e vir morar em vosso palácio? Rei Boio também se interessou por saber outros itens do “acordo”. Parecia notório que o Bruxo Neno em qualquer lugar que morasse era passivo de causar problemas ao invés de resolvê-los: — Aceitei a mudança do bruxo para os meus domínios porque a mãe dele, a Feiticeira Zuzu, já estava morando em minhas terras há alguns anos. Senti que os dois atuando em meu favor poderiam me fazer grandes obséquios e, por enquanto... não tenho motivos para me arrepender. Se me causarem problemas, elimino os dois. Tenho meus próprios recursos para lidar com feiticeiras e xamãs! — Bem, amigos, vamos para a hípica. Nossos cavalos precisam nos ver e temos também que massagear nossas éguas – brincou Rei Kornio. 276H. H. Entringer Pereira Caminhando pelas alamedas floridas e sombreadas, prosseguiram a conversa, os três, até a Hípica Tenusa. — Onde estão o Conde Rasku e o Bruxo Neno? – quis saber o anfitrião, indagando ao coudel Jóque, que escovava a égua Tempestade. — Saíram agorinha e, pelo rumo que tomaram, foram ao Bosque da Solidão. Os três reis separaram-se e cada um se movimentou em direção às baias onde estavam seus próprios animais. Os coudéis, tratadores e domadores das admiráveis éguas, organizavam os preparativos para o “fabuloso” turfe, anunciado como parte da programação comemorativa no dia seguinte ao casamento do Bruxo Neno com a bela criada Murmur.
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Mesmo com a estiagem, que deixa as plantas muito estressadas, ainda dá para dizer vale a pena todo esforço, ao ter que baldear água, para garantir a sobrevivência de qualquer produção. Aqui, as primeiras fotos são de plantas regadas manualmente, plantas novas ainda. As duas últimas são plantas adultas, que carecem inclusive de poda, no início das chuvas receberão todo cuidado. Neste caso estou falando mais uma vez, do Vetiver.
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Os leitores vão dizer que eu não tenho outro assunto. Acontece que eu não sou criador de conteúdo. Eu registro aquilo que é necessário. Venho aprendendo, com o capim VETIVER, a ser resiliente. Neste período do ano, quando a estiagem é implacável, apenas a vegetação com perfil que se identifica com o cerrado, permanece por aqui. E exuberante. Elegi oVetiver, meu preferido e o carro chefe dessa nova fase da OCA OCUPAÇÃO CoCOCRIATIVA ARTFLORESTA TERRAVILA GLOCAL.
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A memória foi bem melhor, agora registrar é necessário. Para não perdermos a emoção de ver como tudo evolui. Aprendemos muito conosco, mesmos.
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URUCUMACUÃ By H.H.Entringer Pereira LIVRO 3 CAP 66
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A CHEGADA DA SACERDOTISA DAS SOMBRAS Logo que a Feiticeira Zureta chegou ao Palácio de Trindade, recebida com esfuziante alegria e entusiasmo pela Rainha Sissu, que a ela dedicava especial consideração de cortesã, dispensando-lhe tratamento de fidalga, Rei Mor providenciou para que mãe e filho pudessem conversar e combinar os detalhes para a realização da cerimônia nupcial. O encontro do Bruxo Neno com a Feiticeira Zureta foi estrepitoso e emblemático. No momento em que se abraçaram, mãe e filho emitiram sonora gargalhada, juntaram-se de costas um para o outro, como convinha as suas tradições, depois viraram-se de frente e tocaram as palmas das mãos, invertendo os movimentos sequencialmente de cima para baixo e de baixo para cima. Coincidentemente, um corisco riscou os céus enegrecidos de nuvens carregadas para chover, precipitando-se com grande estrondo, próximo do pátio onde os dois se confraternizavam. Alguns cortesãos ficaram assustados e outros admirados com o inusitado daquele encontro, julgaram que os poderes sobrenaturais dos feiticeiros eram manifestos sob a forma de raios e trovoadas que eles próprios desencadeavam. Rainha Sissu logo tratou de convidar a Feiticeira Zuzu para a refeição da tarde, já servida em homenagem à visitante, dando ordens à criadagem para que acomodasse a bagagem da ilustre hóspede dos reis de Trindade nos aposentos localizados numa das quatro Torres de Vigia, na Ala Sul do Palácio. Ao Bruxo Neno não agradou a maneira festiva pela qual Feiticeira Zuzu foi acolhida no Palácio de Trindade, por ser muito mais eufórica e cerimoniosa do que a ele. O próprio Rei Mor, rotineiramente de modos reservados, glaciais e protocolares, desmanchou-se em rapapés, rasgando escancarados elogios à presença espalhafatosa da Sacerdotisa das Sombras, bajulando-a como se fosse apenas ela dotada de poderes extraordinários, superiores aos que o Bruxo Neno também ousara demonstrar. Passada a euforia pela recepção da Feiticeira Zuzu, Bruxo Neno solicitou ao Rei Mor que melhor o acomodasse, transferindo seus pertences aos aposentos da Torre de Vigia da Ala Sul do Palácio de Trindade, para que pudesse estar mais próximo de sua mãe e, assim, tratarem dos assuntos de interesse do reinado, sem a importunação da distância entre os locais onde os dois estivessem instalados. Bruxo Neno justificou ainda que havia assuntos de secretíssimo interesse dos bruxos e feiticeiros que somente a eles era pertinente conversar. Além do mais, não se encontrava com a mãe desde o episódio da morte da Bruxa Bizarra, aquela que conforme todos sabiam morreu no grito. Ao Rei Mor, pouco importava que os dois visitantes ficassem naquele ou noutro cômodo do Palácio. Interessava-o somente o desfecho do casamento da serva Murmur com o Bruxo Neno e que, no ensejo da visita da mãe feiticeira ao filho bruxo, conforme o vaticínio da própria carocha, finalmente a Rainha Sissu engravidasse. Rei Mor assentiu com o pedido, mas fez uma exigência: — Bruxo Neno, sabes que na Ala Sul, próxima à Torre de Vigia do Palácio, há um compartimento reservado à rainha enquanto esperará pelo retorno do rei do leito nupcial de seus súditos? A rainha ali aguardará minha volta, para depois tornarmos aos aposentos reais... O Senhor compreendeu? 269H. H. Entringer Pereira — Perfeitamente, majestoso Rei Mor. Já estou ciente das regras do jogo. — Saiba também que todos os aposentos do Palácio serão vasculhados pelos Caçadores de Cornos, incluindo o vosso e o da vossa mãe. — Nada mais justo, Senhor Rei, nada mais justo. Senhor, permita-me dirigir-vos um pedido para que me autorizeis proceder uma magia que muito alegrará vossa rainha? — Convém que estejas bem certo do que quereis, Bruxo Neno. Achas mesmo que a rainha gostará do que intencionas? — Majestoso Rei Mor, caso não a agrade, possa vossa realeza me aprisionar ou expulsar-me de vossos domínios. — Se é assim, diga o que pretendeis. — Senhor Rei, bem sabeis que a Feiticeira Zuzu é possuidora do bridão mágico, que nas nossas mãos converte em realidade todos os nossos desejos, por mais absurdos que pareçam... Pois bem, posso usar o bridão produzindo um encantamento que fará vossa rainha sentir a vossa presença sempre ao lado dela, como se Vossa Realeza não estivesses na cama com vossa serva, quero dizer, com minha esposa... Os olhos da Rainha Sissu acenderam-se num brilho de satisfação. Desgostava-lhe imensamente o comportamento lúbrico do marido, disfarçado numa tradição imposta por ele mesmo, para satisfazer-lhe a lascívia acobertada pelo manto de suposta honraria. Antes que o Rei Mor entendesse exatamente do que se tratava a magia, a rainha antecipou-se num gritinho de exultação e manifestou-se: — Ah, que felicidade! Bem que me agrada esta proposta. Que boa sorte este encontro de mãe e filho! Rei Mor não compreendera exatamente a proposta de Bruxo Neno, mas diante da assertiva da Rainha Sissu, para que ninguém percebesse a lentidão de seu raciocínio, autorizou: — Bruxo Neno, já te certificastes de que a Feiticeira Zuzu trouxe consigo o bridão encantado? Antes que dirigisse a palavra a sua mãe, a Sacerdotisa das Sombras, pressentindo a embaraçosa situação que poderia colocar seu filho, caso se negasse a colaborar com ele na concretização de seu plano, adiantou-se, explicando: — Majestoso Rei Mor, Boníssima Rainha Sissu, para vosso bem, trabalharei junto com meu filho para concretizar o que anda dizendo – olhou para o Bruxo Neno, piscou o olho e compreendeu que o filho arquitetava mais do que uma simples magia ou um inofensivo feitiço. — Neste caso, asseverou Rei Mor, terás meu inescusável apoio. Como haverás de proceder? Bruxo Neno, pego de surpresa pela pergunta do Rei Mor, uma vez que ainda não combinara com a Feiticeira Zureta sua vindita contra o direito imposto naquele reinado, em que ao rei somente era dado o privilégio de gozar a primeira noite de núpcias com as jovens esposas ainda virgens, evadiu-se da pergunta, tangenciando: — Majestoso Rei Mor, preciso que me autorizes celebrar, junto de minha mãe, um novo ritual na hora do meu casamento com Murmur. Não vou, nem ouso, modificar vosso costumeiro direito de primeiramente deitar-se com a noiva, até a meia-noite. Não 270H. H. Entringer Pereira se trata disso. Ficai tranquilo que trará satisfação à noiva e muito mais a vossa rainha, porquanto durante o tempo em que estiveres em outro leito, não sentirá vossa ausência, como se em vosso leito estivesses! — Explique-se melhor. Como fará isto, Bruxo Neno? Senhor Rei Mor, usarei os poderes de encantamento do bridão mágico que está com minha mãe, para que a vossa rainha sinta como se vós estivésseis em carne e osso, ao lado dela, na vossa cama. Ela sequer sentirá sua ausência. E vós sentireis estar somente e apenas com a jovem noiva, Murmur, até que seja a meia-noite. Também não podereis passar deste horário... — Hummm... saiba que a Rainha Sissu permanecerá fechada em seus aposentos, na Torre de Vigia... Com dois Caçadores de Corno à entrada do quarto, trancada à chave, que levarei comigo!!! Rei Mor retirou-se para a Hípica Tenusa, onde os coudéis, tratadores e domadores de suas admiráveis éguas organizavam preparativos para o fabuloso turfe, parte da programação comemorativa do casamento do Bruxo Neno com a bela serva Murmur. O próprio rei cuidava daquelas preliminares porque o hipismo era seu mais favorito e predileto lazer. Seu hipódromo era modelar e atraía outros diletantes do mesmo esporte, tanto quanto as Corridas Numpéssó fascinavam os habitantes do Elo Dourado. Os grandes rivais nas disputas pelos primeiros lugares na Hípica Tenusa eram os corcéis Água Doce e Temperado, de propriedade da criação do Rei Médium, versus as éguas Tempestade e Sombreada, do haras do Rei Mor. Outros animais também pontuavam entre os favoritos, mas estes elevavam as apostas ao paroxismo. Feiticeira Zuzu e o Bruxo Neno aproveitaram a retirada do Rei Mor e da Rainha Sissu, instalando-se nos aposentos próximos um do outro, na Torre de Vigia da Ala Sul. O aposento no qual a rainha permaneceria até que o marido voltasse do leito nupcial, a sua própria cama, após a meia-noite, localizava-se entre o cômodo que a feiticeira ocupara e o outro requisitado pelo bruxo, sob alegação de que convinha aproximar-se de sua mãe para executar melhor as mandingas que necessariamente fariam juntos. O Bruxo Neno andava pensativo com o desenrolar dos acontecimentos porque recebera do Rei Mor uma advertência seguida de uma sentença. Precisava urgente dos préstimos da Sacerdotisa das Sombras, pois que, se após o encontro dos dois, nada acontecesse com relação à gravidez da Rainha Sissu, não só o Bruxo Neno seria expulso do Reinado de Trindade, como a Feiticeira Zuzu teria também de se mudar de residência. A ineficácia de seu desempenho quanto ao encantamento da tiara o preocupava. Sua esperança de concretizar o feitiço de engravidar a rainha ganhava reforço no ritual utilizando o bridão encantado. Este sim, haveria de surtir o efeito desejado. A conversa entre mãe e filho parecia mútua prestação de contas. Feiticeira Zuzu relatava suas proezas, desfiando contas e contas de um colar de inumeráveis feitos mágicos. Por sua vez, Bruxo Neno esmiuçava suas façanhas, contando também as mais ousadas, cujas consequências nem mesmo o Mago Natu, com toda sabedoria e argúcia, impediu. Esqueceu-se de relatar sobre a trágica transformação de Quelônia Taruga na Tal Taruga; o desaparecimento, diante dos seus olhos, da Joia da Tia Ara na areia; e o 271H. H. Entringer Pereira fantástico surgimento das bagas da “Mãe do ‘Y’”. Feiticeira Zureta nem parecia satisfeita nem indiferente ao desempenho do filho. Apenas salientou sua capacidade de transformar pessoas em peixes, estando de posse de uma joia que nem chegara a ser propriamente um instrumento de encantamento. — Se é do jeito que me dizes, para quê queres o meu bridão? – indagou-lhe a Feiticeira Zuzu, ressabiada de entregar seu mais precioso acessório ao bruxo e perdê-lo para sempre, porque o filho, certamente, se lembrava das artimanhas e ardis que ela própria lhe ensinara. — Minha mãe, preciso do seu bridão porque tu te confundistes quando vendestes a cópia para a Marquesa de Sonça. — Do que estás me acusando? Que eu entreguei o bridão errado? — Exatamente, Feiticeira Zuzu. Se o bridão que está contigo fosse o verdadeiro, o ritual de magia que celebraste com o Rei Mor e a Rainha Sissu teria resultado. A rainha, com certeza, já teria engravidado, o filho nascido e eu hoje não estaria tão preocupado... — Hum, parece que tens razão. Quem mais sabe que eu mandei fazer uma cópia do bridão de ouro para vender? — Tu, o ourives e eu. Bem... quero dizer, não muito bem. Eu mesmo só desconfio. — Então só tu e eu sabemos, porque, logo que o ourives me entregou o bridão copiado, eu cuidei de encantá-lo num corvo, para ter certeza de que ele não me lograria, triplicando o bridão e me passando o falso como verdadeiro. — Esperta, tu. Mas acho que a Sonça foi mais esperta ainda. Feiticeira Zuzu sentiu que o filho falava com alguma razão. Relembrou nebulosos acontecimentos da noite de lua crescente em que celebrou com a Marquesa de Sonça, na clareira do florestal, o ritual para que sua cliente encontrasse a grande paixão de sua vida e afastasse de vez a misteriosa e ignorada rival que ameaçava colocar sua fortuna por água abaixo. Recapitulando o sucedido, reconstituiu na memória todos os ingredientes que usara e o passo a passo para atingir o propiciatório. Começou a falar sozinha, como se fizesse a recomposição da lista de ingredientes que a Marquesa de Sonça levara, a seu pedido, recitando em voz baixa: Um dente de alho, um lume branco, uma pedra ônix, uma cumbuca de barro com sal grosso, um incenso de jasmim e um palito de dentes. Bruxo Neno ouviu e ficou em silêncio. Adivinhava onde sua mãe queria chegar. Indiferente ao que o filho estava pensando, a Sacerdotisa das Sombras continuou falando consigo: Toda inveja que sentem de ti, Eu ordeno que suma daqui! — Foi nessa hora, foi nessa hora – disse, soltando uma sonora gargalhada, voltando-se para o Bruxo Neno. – Viste? Tens razão. Eu mesma troquei os bridões. O que vamos fazer agora? – perguntou ao filho. — Temos uma chance de recuperar o bridão encantado. Vou celebrar, em breve, o casamento do Conde Rasku, o bonitão, com a Marquesa de Sonça, sua amiga. Dê-me o bridão que está contigo que eu dou o jeito de passá-lo pelo verdadeiro. — E quando a Marquesa de Sonça descobrir que foi lograda e ficou com o bridão falso? 272H. H. Entringer Pereira — Não tem problema, ela nem sabe que existe uma cópia do original! – tranquilizou-a. Feiticeira Zuzu, contudo, não acreditava no Bruxo Neno. Apesar de não manifestar ao filho o que pensava a respeito dele, sua maternal intuição, adicionada à astúcia adquirida com anos de prática nas atividades da feitiçaria, alertavam-na da sagacidade do bruxo e da possibilidade de ser ludibriada facilmente por ele. Ela também sabia que, às vezes, era presa fácil de sua própria desídia. Mais de uma vez, sua desatenção pesou desfavoravelmente, resultando em prejuízo financeiro, e suas mandingas voltaram-se contra si, trazendo-lhe resultados irrecuperáveis para sua capacidade e fama de Sacerdotisa das Sombras. Ponderando sobre o real valor do bridão encantado em contraponto ao acessório falsificado, Feiticeira Zuzu resolveu entregá-lo ao Bruxo Neno. Afinal, se o que tinha era mesmo a réplica, o metal não era ouro puro, as pedras eram contas de vidro coloridas e, até então, não possuía referências que atestassem a validade da peça na consumação dos feitiços intentados. Precisava correr o risco de ter de volta o verdadeiro bridão. Quanto a isso, ela confiava na sagacidade do filho.
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Teria um? Ou seriam todos eles? Fugir às convenções, pode nos levar além!
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Se para alguns é, ou ao menos parece irrelevante, sinto muito em dizer que não. Já quebrei cabo de enxada, martelo, machado, foice? Aproveitar o momento e deleitar-se com o imprevisto. Sem como improvisar. Não tem outra foice. Agora eu entendi...
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URUCUMACUÃ By H.H.Entringer Pereira Livro 3 CAP. 65
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O DILEMA DO BRIDÃO No Reinado de Trindade, a notícia das bodas do Bruxo Neno com a serva Murmur espalhou-se rapidamente, transformando-se em assunto de todas as conversas. A exclusividade dos convites para aquele casamento estendia-se aos reis, rainhas, príncipes, princesas e outros nobres, como se o Bruxo Neno fizesse parte da realeza como legítimo fidalgo da Corte do Rei Mor. O empenho do rei em proporcionar ao bruxo e a sua serva cerimônia nupcial com a presença de tão grande número de convidados ilustres não só realçou a soberba do bruxo, como contribuiu para aumentar o prestígio que já conquistara entre os palacianos. A empáfia característica dos oportunistas guindou-o à condição, sem paralelos, de primeiro colocado na lista dos aduladores, baba-ovos, cheira-cheiras, escova-botas, lambe-cus, lambe-esporas, louvaminheiros, puxa-sacos, sabujos e xeleléus do Rei Mor. Com livre acesso a todos os salões e alas do Palácio de Trindade, Bruxo Neno circulava impávido, impressionando a criadagem com seus cabelos totalmente raspados e modos esdrúxulos, desfilando vestes exageradamente ornamentadas, mas de corte vulgar, arremedos de mau gosto, copiados à maneira dos trajes do Rei Mor – tentativa invejosa de apresentar-se semelhantemente ao soberano, favorecido que era pela aparência física de ambos. Para ostentar prestígio, angariar fama e forçar o reconhecimento de sua superioridade e poder pessoais, baseado no bom êxito de seu desempenho nas práticas de magias e feitiços, Bruxo Neno não poupava inventar novos rituais e celebrações extravagantes com o propósito de ser admitido e admirado não apenas como bruxo, mas como honorável cortesão do Rei Mor. Tornou-se uma eminência parda, obrigatoriamente requisitado para emitir pareceres que abrangiam desde assuntos financeiros aos sentimentais dos palacianos. A maior parte do tempo posava ao lado do Rei Mor, suscitando ciumeiras que facilmente descambavam em obscuras disputas no espaço das considerações reais. Rei Mor não escondia nem disfarçava a precedência do bruxo sobre os demais súditos, distribuindo simpatias e favores à custa da inimizade e do despeito provocados nos desafetos. Corria à boca miúda que o Rei Mor planejava uma festa como nunca vista no Palácio de Trindade, para celebrar as bodas do Bruxo Neno com sua bela e cândida serva, Murmur. Além de bela, Murmur era trabalhadeira, dedicada e fiel, empenhada nos afazeres que garantiam comodidades não só ao rei como à sua intratável e insatisfeita mulher, a Rainha Sissu. Murmur era uma donzela órfã desde criança, pudica e inefável, diferente de todas as outras servas, amas e mucamas pelos modos gentis, comportamento recatado e submissão total às ordens das governantas, da Rainha Sissu e do Rei Mor. Quando o burburinho do cogitado casamento se alastrou pelo Palácio de Trindade, as colegas de Murmur, invejosas da posição a que ela ascenderia no alto escalão da nobreza, inventaram incontáveis lorotas, na tentativa de impedir a consumação daquelas núpcias. Mesmo atacada em sua honra pelas mais torpes e abjetas críticas, a indefesa Murmur se calava diante dos insidiosos comentários, porque no 262H. H. Entringer Pereira íntimo, não sentia pelo Bruxo Neno qualquer admiração que lhe motivasse querê-lo por marido. Tampouco lhe agradava o costume imposto pelo Rei Mor, o jus primae noctis, consistente no direito de o rei se deitar na primeira noite das núpcias junto à jovem esposa, se ainda virgem, enquanto o marido se mantivesse ausente, ocupando-se de permanecer oculto até a meia-noite, proibido, sob pena de morte, de se aproximar de seu próprio leito nupcial até que se esgotasse o derradeiro minuto do dia do casamento. O tradicional costume do jus primae noctis vigorava apenas no Reinado de Trindade, invenção ímpar de Rei Mor. Não havia se alastrado pelos reinados vizinhos porque a liberalidade imposta sofreu críticas contundentes dos outros soberanos. Havia um perigo iminente de gerar filhos ilegítimos naquelas relações espúrias e licenciosas, cuja ameaça aos direitos sucessórios dos herdeiros reais os deixava vulneráveis a revoltas e rebeliões dos bastardos. Além do que, configurava-se professo sacrilégio ao ritual da fidelidade sagrada no matrimônio. Reticentes, as esposas pouco se manifestavam a respeito da despudorada libertinagem do Rei Mor, atribuindo como resultado daquela prática abusiva e repugnante o castigo da sua esterilidade crônica. Aproximando-se a fase da lua propícia à realização de casamentos, Rei Mor tencionava cumprir, de uma vez por todas, o pacto celebrado com o Bruxo Neno, entregando-lhe por esposa a meiga e bela Murmur, para que o encantamento da tiara, pactuado desde o casamento do Rei Médium com a Rainha Gônia, finalmente se concretizasse, resultando na ansiada gravidez da Rainha Sissu. Convocando o Bruxo Neno em audiência, Rei Mor o informaria de suas intenções. Ao adentrar o Salão do Rei, encenou sua cordial saudação, diferenciada dos outros vassalos, que ajoelhados, tocavam com as mãos postas os joelhos do rei. Bruxo Neno preferia tocar-lhe diretamente nos testículos, pelo que lhe valeu o cognome de Bruxo Neno, o Puxa-Saco. Rei Mor cultivava a esperança, acreditando que os resultados dos feitiços encadeados pelo bruxo estariam prestes a acontecer. Reforçado pela confiança depositada nos poderes extraordinários do bridão encantado, também utilizado nos rituais orquestrados pela Feiticeira Zureta, mãe do Bruxo Neno, moradora do Reinado de Trindade há algum tempo, desta vez, acreditava o Rei Mor, o feitiço haveria de funcionar: conseguiria finalmente engravidar a Rainha Sissu. À época em que a Feiticeira Zuzu, a Sacerdotisa das Sombras, colocou-se à disposição do Rei Mor para formalizar o encantamento que propiciaria a gravidez da Rainha Sissu, concluindo o ritual, ela vaticinou: “Assim que mãe e filho habitarem num só Reino, duas crianças nascerão. Uma será concebida com fausto e riqueza, no leito da rainha. A outra, em modesto leito de servos. A beleza, a bondade e a formosura apenas a uma delas assistirá. A maldade, a pestilência e a feiura da outra em serpente se converterá e, antes que se casem, ambas se precipitarão ao encontro de um grande amor, uma na água e outra no fogo.” A derradeira parte daquele presságio deixou Rei Mor confuso, atordoado. Pediu que a Feiticeira Zuzu lhe explicasse o significado daquele presságio. Todavia, encerrado o ritual, a Sacerdotisa das Sombras não lembrava uma palavra sequer do que havia dito, tampouco saberia decifrar suas próprias previsões. A necessidade de compreender o enigmático vaticínio motivou Rei Mor requisitar Bruxo Neno em 263H. H. Entringer Pereira audiência especial para que traduzisse aquela sentença. Era conveniente também aproveitar a oportunidade para cientificá-lo dos costumes vigentes naquele reinado, quanto ao direito personalizado pelo soberano de dormir a primeira noite com a nubente de qualquer um dos seus súditos, principalmente sendo o noivo viúvo e a noiva virgem. Tão logo notificado da convocação do Rei Mor, o bruxo prontificou-se, adentrando o salão de audiências. Prostrou-se em reverência, conforme seu costumeiro modo, tocando-o nas intimidades e saudando-o, à semelhança do Mago Natu, quando se dirigia ao Grande Rei: — T.U.V.X.Z.! Respondendo à saudação, Rei Mor também repetia a sequência de letras, ainda que não soubesse o que elas significavam para o bruxo, nem o bruxo soubesse o que elas significavam para o rei. Indo diretamente à parte que lhe interessava, Rei Mor indagou: — Bruxo Neno, já aprendeste sobre as tradições do Reino de Trindade quanto ao direito de o rei deitar-se a primeira noite com as virgens casadouras? — Ora, ora, Senhor Rei. Não só aprendi como estou de acordo e considero muito justo. Vossa realeza bem sabe o que faz. Em vosso lugar, faria o mesmo. Rei Mor não manifestou muito interesse pela opinião do Bruxo Neno, esmiuçando a explicação sobre o costume para que ele não incorresse em engano, alegando insatisfação ou contrariedade com a determinação: — No entardecer do dia da próxima lua nova, tua mãe, a Sacerdotisa das Sombras, estará no Palácio de Trindade para celebrar teu casamento com minha serva Murmur. — Pelo que muito vos honro e agradeço, obsequiado e submisso à vossa real magnanimidade! — Hum, vamos ao que nos interessa: após a cerimônia, é prudente que desapareças, sumas do Palácio, porque meus guardas vão se pôr a procurar-te. São oito procuradores que usam na cabeça um capacete de chifres e, por isso, conhecidos como os Caçadores de Cornos. Saem aos pares, nas quatro direções do Palácio. Oculte-se muito bem, para que não o encontrem. No teu caso, não será difícil, pois conheces, pelo que me dizes, a arte de ficar invisível. Ainda assim, certifique-se antes de que tens mesmo esse poder. Caso os guardas te encontrem ou descubram onde te metestes, serás passado a fio de espada. Cuide afastar-se para um local onde meus Caçadores de Cornos nem sintam teu cheiro. Para que tua esposa não amargue o infortúnio nem lamente ser abandonada, sentindo a solidão da primeira noite de núpcias. Fique sossegado, pois terá ao seu lado a honrosa companhia de ninguém menos que o próprio Rei de Trindade, mas só, o que é uma pena, até a meia-noite... Depois disso, poderás voltar ao teu leito. Assim reza o nosso costume. — Assim será, amado Rei Mor. — Bruxo Neno, melhor que sejas conformado. Já que quanto a isto estamos concordes, há uma questão da qual necessito ouvir teu entendimento e pedir-lhe um palpite: decifra-me o enigma proposto pela Sacerdotisa das Sombras, tua mãe, quando celebrou aquele ritual para engravidar a Rainha Sissu, que já te relatei. 264H. H. Entringer Pereira — Repita-me as palavras que ela pronunciou, magnificente e justíssimo Rei Mor. — Já te disse, não lembras? — Sim, sim, meu Rei. Apenas desejaria ouvi-las de vossa real boca... — Diga-me o que significa aquela parte do presságio “A beleza, a bondade e a formosura apenas uma assistirá. A maldade, a pestilência e a feiura da outra em serpente se converterá, e antes que se casem, ambas se precipitarão ao encontro de um grande amor, uma na água e outra no fogo”. — Meu Rei, muito fácil entender o que determina este enigma. Diz que vossa filha será a mais bela e formosa dentre todas as mulheres. A outra criança será gerada na cama de servos, então só pode que seja diferente da que vai nascer na cama da rainha; ambas, ambas... bem... hum... hum... Ambas... O que será mesmo ambas? Deixe-me ver. Rei Mor, ansioso para ouvir o restante da explicação, julgou que o Bruxo Neno tencionava esconder-lhe o verdadeiro sentido da predição. — Não me poupes a verdade. Ambas quer dizer as duas... — Ah, sim, sim, as duas... bem... devem ser ambas... — Vamos, fale de uma vez, o que acontecerá com ambas? — A que não é a vossa filha se transformará numa grande serpente e se precipitará nas águas e vossa filha se jogará no fogo... sim é isso! — Não, não é isso! Não pode ser isso! Como condenaria eu minha própria filha à fogueira? Como poderia a filha de um rei desejar se queimar? Também tu tampouco soubestes decifrar este enigma. — Que vos parece, então, Senhor Rei Mor, esta predição? Julgas que a Sacerdotisa das Sombras mentiu? — Não, não. Isto é que me intriga. Algo que eu não consigo compreender; no fundo, no meu íntimo, parece-me lógico, muito lógico... Sinto que serei enganado pelo meu próprio engano. — Não vos incomodeis, Senhor Rei. Poderei modificar esta predição, com melhor resultado. Se vossa realeza bem recorda, o encantamento que fiz naquela joia da mãe do “Y” há de vos trazer um filho homem em breve, eis que vossa rainha logo, logo se encontrará grávida. — Assim espero, Bruxo Neno. Então, era isso. Prepare-se para desposar Murmur. Terás uma esposa terna, amorosa, fiel, obediente e devotada ao lar. Em troca, já sabes os favores que me deves... Lembre-se: não revele a Murmur vossas feitiçarias. É mais seguro que ela nem desconfie das tuas proezas. — Senhor Rei Mor, não sou apenas um bruxo. Entendo também das artes do amor. Já fiz para Murmur belos poemas. Ela nem desconfia que no meu peito de feiticeiro bate acelerado e inteiro um coração apaixonado e verdadeiro. — Sabes fazer poemas? — Dos mais belos que Vossa realeza imaginar. Não sei escrever, mas sei declamar! — Verdade? Então recita-me um deles, para ver se és talentoso, como dizes, nesta arte. 265H. H. Entringer Pereira Bruxo Neno sentiu-se por demais lisonjeado, estufou o peito e para impressionar, como se dirigisse a uma grande plateia, recitou: “Bela Murmur, Dos segredos de minh ’alma, guardo apenas um na vida: Ardente paixão, amor sem fim, que num momento em mim nasceu. Mal sem cura, dor escondida. E quem me enfeitiçou, nem sabe o que sou eu. A seu lado sou um nada, sombra perdida Pobre homem que nem eu reconheci, pois esse amor hei de tratar como ferida, Sabedor que tudo dei e nada recebi. Essa deusa tão pura, terna e distante, que passa por mim é Murmur, a flor da fonte do amor que é meu, a acompanhar-lhe constante. À natureza que a fez assim serena e bela, Pergunto: Por que a quero, se nem a mim percebe? Meu coração é quem responde: ame-a apenas e será bastante.” Rei Mor, impressionado com a declamação, não conseguia crer no que ouvira. Bruxo Neno não parecia possuir talento, nem instrução suficiente para ser autor daquela composição. Menos ainda porque o próprio rei havia escrito alguns sonetos inspirados na beleza singela de Murmur, e havia um com aquele título que era semelhante ao que o bruxo declamara. Desconfiou de que ele havia mexido nos seus secretíssimos guardados e... copiado exatamente aquele dentre os papiros que escondia no escritório. Contudo, até onde conhecia de suas habilidades, Bruxo Neno não aprendera a ler, nem a escrever. Convencendo-se de que qualquer coração apaixonado seria capaz de semelhante inspiração romântica, sugeriu ao Bruxo Neno, para disfarçar o ciúme que sentira, que o declamasse a Murmur como confissão de amor, quando terminasse o cerimonial de suas núpcias. O bruxo, com uma pitada de ironia, contra-argumentou, ressentido: — Não poderei recitá-lo, porque sois vós quem tereis o direito de ser o primeiro a se deitar com Murmur... — É verdade, é verdade... terás tempo de sobra para lhe dizer quantos poemas quiseres depois... depois, Bruxo Neno. A inflexibilidade do Rei Mor e sua resoluta firmeza quanto ao cumprimento do costume que havia imposto – o jus primae noctis – deixara o bruxo profundamente insatisfeito, desgostoso e aborrecido. Não podia manifestar seu descontentamento diante do que considerava o maior abuso do poder do rei, nem poderia reclamar para que Rei Mor revogasse a norma, porque ouvira claramente o tipo de punição impiedosa reservada aos insatisfeitos. Era melhor fazer de conta que se sentia honrado com a participação do soberano na sua noite nupcial. No entendimento do bruxo, a paixão avassaladora que sentira por Murmur, seu devotado e secreto romantismo, poderiam ser levados em consideração, abrindo-se exceção ao costume. Todavia, julgando pelas assertivas do rei, nenhum arrazoado poético, nenhuma paixão febril explícita, seriam capazes de demovê-lo da ideia para 266H. H. Entringer Pereira revogar a imposição, principalmente porque Murmur além de bela, era casta, obediente e submissa. Uma gigantesca onda de ciúme brotou no coração do Bruxo Neno e turvou-lhe a razão. Tal como furacão de rancores, planejou sua vindita arquitetando, com velocidade de corisco, sua maligna trama: enquanto o rei estivesse na cama com Murmur, iria, em contrapartida, dar um jeito de meter-se sob os lençóis do próprio rei, na cama da Rainha Sissu. Não poderia se vingar de modo melhor. Enquanto o rei desfrutasse as primícias com Murmur, ele iria se ocultar dos Caçadores de Cornos nos lençóis macios e cheirosos da Rainha. Não sentia por ela o mesmo desejo que sentia por Murmur, porque era feia e tinha olhos vesgos, mas àquela ocasião não haveria, por certo, local mais seguro a salvo dos sanguinários guardas mascarados com capacetes de chifres. Feliz com a ideia que lhe ocorreu, evitou transparecer ao Rei Mor seu bem planejado contra-ataque. Uma derradeira coisa, entretanto, sentiu vontade de perguntar ao Rei Mor, antes de sair da audiência: — Bondoso e magnificente Rei Mor, qual foi o derradeiro casamento que vossa realeza celebrou no Reinado de Trindade? — Por que perguntas? Acaso já soubestes do que aconteceu a Chupinguaia? — Sim, majestoso rei. Perguntei porque ouvi vossa realeza dizer que, se for encontrado pelos Caçadores de Cornos, serei passado a fio de espada, não é isto? — Perfeitamente. — Mas, me desculpando o atrevimento, não foi este o castigo que destes ao derradeiro marido encontrado pelos caçadores de cornos? — Refere-te ao que se precipitou na cachoeira? — Esse mesmo. Mudais a sentença de morte conforme vossa volúpia? — Cabe somente ao rei, Bruxo Neno, decidir o que fazer com o marido apanhado pelos Caçadores de Cornos. No caso que mencionaste, o infeliz Chupinguaia escondeu-se no alto da Cachoeira dos Namorados. Encontrado pelos guardas, antes que o agarrassem, preferiu ele mesmo sentenciar-se à morte, jogando-se penhasco abaixo. Certamente queres chegar no nome que colocaram naquele lugar, depois do lamentável episódio. — Por causa daquele acontecimento é que deram nome ao local de Chupinguaia? — Exatamente, Bruxo Neno. O idiota do Chupinguaia se matou, ao se jogar sobre as pedras, espatifando-se. Tingiu de sangue, então, as águas daquele rio. Por isso é que Chupinguaia virou sinônimo de rio de sangue. Também denominaram a Cachoeira dos Namorados de Rio de Chupinguaia... A propósito, estás planejando te meteres lá para as bandas da Cachoeira de Chupinguaia? O Bruxo Neno deu um sorrisinho irônico e respondeu sarcástico: — Não, majestoso Rei Mor. Não vou me enfiar em maus lençóis. Tenho lugar melhor pra me meter! — Sorte tua, Bruxo Neno. Sorte tua e azar o meu se não te pegarem! — T.U.V.X.Z.! – exclamou o Bruxo, ensaiando uma reverência. Bruxo Neno saudou-o cortesmente a sua maneira, achando engraçado que na saudação enigmática ao 267H. H. Entringer Pereira Rei Mor, ele gostaria mesmo de ter dito: “T.erás U.m V.ingador, X.avecado Z.umbaieiro”. Rei Mor respondeu à saudação com trejeitos de desprezo: — T.U.V.X.Z.! Também o Rei Mor gostaria de ter dito ao Bruxo Neno: “T.ua U.biquidade V.ai X.aropar Z.ureta”, porque já se arrependera do que havia pactuado com o bruxo, meses antes, lá no Império do Elo Dourado. Além de estupidamente vaidoso, gabola, prepotente e invejoso, a mania do bruxo, desde que chegara ao Reinado de Trindade, de imitá-lo no jeito de se trajar, no modo de andar, de falar e de usar a cabeça raspada, que a nenhum outro vassalo o rei permitia, desagradava-o sobremodo, e tanto pior: em qualquer lugar do Palácio de Trindade a que o Rei Mor se dirigia, à exceção de seus próprios aposentos, encontrava sempre o Bruxo Neno fazendo firulas com os subalternos. Parecia que o bruxo estava em todos os lugares ao mesmo tempo. O rei sentia invadida sua privacidade, como se estivesse constantemente vigiado e perseguido pelo bruxo. Rei Mor estava prestes a arranjar boas desculpas para convencê-lo a se mudar depois do casamento com Murmur para as proximidades do local onde morava a mãe dele, a Feiticeira Zureta. Precisava de muito tato e uma boa quantidade de paciência, porque indispor-se àquela altura contra a pessoa do Bruxo Neno, era cutucar, sem dúvidas, o diabo com vara curta. Pela demonstração de poderes que Rei Mor já havia presenciado e pelas abomináveis proezas que o bruxo realizara, era imprudência sem conserto colocar-se no raio da mira de sua vingança maligna. Rei Mor conformando-se, cumprimentou-o respondendo secamente a sua saudação e ponderou sua precedência sobre o presunçoso bruxo, regozijando-se intimamente, pela primeira noite de núpcias que logo, logo haveria de desfrutar com a futura mulher, a bela esposa do inconveniente bruxo!
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Comunidade do PA Quilombo no Lago do Manso em Chapada dos Guimarães MT Brasil. Uma iniciativa que soma .
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Oficina de Sistema de Informação Geográfica (SIG) –
27/03/202527/03/2025
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A OCA Terravila Glocal tem a honra de informar, que vem aí a primeira Oficina de Sistema de Informação Geográfica (SIG) – Brigada Voluntária PA Quilombo 📅 Data: 01 e 02 de abril de 2025 📍 Local: Residência do Amorim - Comunidade PA Quilombo, Chapada dos Guimarães/MT 📌 Endereço: Rua Quilombo, Lote 36 - Zona Rural, Sítio Real Verde – CEP 78195-000 🛰 A comunidade está convidada a participar da Oficina de Sistema de Informações Geográficas (SIG), um componente do projeto Rede Floresta. Por meio do mapeamento participativo, monitoramento comunitário e vigilância remota, a oficina oferecerá treinamento teórico-prático para capacitar os participantes no uso de imagens de satélite e ferramentas SIG. 🌱 Junte-se a nós e aprenda como utilizar tecnologias para proteger nossas florestas, prevenir incêndios e promover o uso sustentável do solo e dos recursos naturais! 📌 Evento gratuito. Inscrições através do link: https://www.sympla.com.br/evento/oficina-de-sistema-de-informacao-georreferenciada-sig-brigada-voluntaria-gleba-quilombo/2879319?referrer=statics.teams.cdn.office.net&share_id=whatsapp
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ReRe conVERSA inLOCO c/ OCA TERRAVILA GLOCAL
30/11/202430/11/2024
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O Projeto OCA Terravila Glocal está recebendo a visita de Vinicius Braz e Vania Trindade, para falar da web3 e suas vantagens para a Agricultura Familiar. Os visitantes estarão dando uma prévia do que vem ser a CARAVANA 2025, pelos interiores mais distintos do Brasil
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OCA::ReRe CONversa IN LOCO no LAGO DO MANSO - MT
15/11/202415/11/2024
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OCA::ReRe CONversa IN LOCO no LAGO DO MANSO - Chapada dos Guimarães-MT No dia 06 de dezembro de 2024, o Projeto OCA TERRAVILA GLOCAL recebe a presença de Vinicius Braz e Vânia Trindade (Rio de Janeiro-RJ) em sua sede (PA Quilombo/Lago do Manso), para dialogar com a comunidade, sobre a importância da web3 nas comunidades mais remotas e que utilizam os métodos tradicionais em seus cultivos na agricultura familiar.
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